Por que o Flamengo tornou-se um time de burocratas

Por Mauro Sant Anna (@1MauroSantAnna)

Os sócios que, no primeiro domingo de 2012, fizeram presidente Eduardo Bandeira de Mello nem sabiam mas mudaram irreversivelmente o Flamengo. Desde então, o clube tem passado por uma profunda metamorfose, fora e (mais importante) dentro de campo. Já em sua segunda gestão, Bandeira quase duplicou a receita rubro-negra na mesma proporção em que reduziu a dívida para menos da metade. O Flamengo readquiriu credibilidade no mercado, valorizou sua marca e nunca reuniu tantos recursos para contratar jogadores em nível de seleção e montar um elenco estrelado. Mesmo assim, o torcedor não parece nem um pouco satisfeito e o motivo é simples: o desempenho nos gramados não repete a excelência das finanças. A torcida acusa o time de falta de identidade. E, de certa forma, com razão.

Quando assumiram a presidência do Flamengo, Bandeira e seu grupo depararam-se com uma dívida monstruosa, receitas comprometidas e ações trabalhistas por atacado. O resultado de décadas de abandono, descaso e irresponsabilidade. O clube tinha fama de desorganizado, ultrapassado, amador, incompetente e caloteiro. A minha teoria é de que nesse ambiente terrivelmente adverso surgiu um fenômeno: se, por um lado, muitos atletas preteriram o Flamengo temendo atraso de salário, más condições de trabalho, insegurança, falta de estrutura, ausência de profissionalismo ou mesmo porque optou por propostas mais vantajosas, por outro, aqueles que iam para a Gávea queriam muito vestir o manto sagrado. Fossem eles torcedores realizando um sonho de infância, renegados por outros clubes buscando recuperar a carreira, veteranos já em fim de estrada querendo um cantinho para descansar ou ainda aventureiros anônimos garimpando fama no futebol. Nem mesmo a tão badalada visibilidade não se sustentava como argumento, já que nas competições nacionais o rubro-negro brigava mais nos escalões inferiores que na ponta de cima e Copa Libertadores era artigo raro sendo que, quando disputava, não ia muito longe.

Então, depois de alguns anos de árduo trabalho, o Rubro-Negro deu um giro de cento e oitenta graus. Hoje, tem linha de crédito, bomba nas redes sociais e tem a folha salarial mais cara do Brasil. Seus dirigentes são aclamados como a vanguarda da gestão esportiva. Mas sabe aquele fenômeno, do profissional que queria vir muito para o Flamengo? Pois é, sumiu. Até porque hoje há mais motivos para jogar no Flamengo: salários em dia de fazer inveja a alguns europeus, centro de treinamento com estrutura de trabalho e equipamentos de última geração, possibilidade de ser convocado para a seleção. Francamente, ganhando uma fábula por mês, precisa mesmo amar o Flamengo? A verdade é que o cara escolhe a Gávea como optaria jogar no futebol chinês, com a atenuante de que cá não é necessário aprender mandarim nem mudar hábitos alimentares. Mesmo o torcedor que reclama não é mais aquele geraldino que catava as moedas do bolso para se acotovelar em pé para ver o time em campo. O que cobra raça dos jogadores também exige conforto, segurança, praticidade e não se importa em pagar mais por isso. A diretoria, percebendo, majora o valor dos ingressos e prioriza o sócio-torcedor. Mas ao ‘geraldino’ nem sempre sobram moedas no bolso para pagar mensalidades e, desta forma, acontece a segregação da torcida a partir do momento que quem paga é mais torcedor que o outro e, como tal, merece privilégios. Quando indignado, manifesta-se nas selfies e protesta via Internet. Basta ao dirigente desconectar-se para que não seja importunado, até porque a parte deste está sendo bem feita e todos sabemos que ele não entra em campo.

Para o bem ou para o mal, aquele Flamengo de outrora já não existe e provavelmente não voltará. Converteu-se não apenas num time de burocratas, comprometidos profissionalmente, uma equipe regular, que dificilmente se aproxima do medíocre mas que não se pretende brilhante. A saída seria a ‘prata-da-casa’, os garotos da base. Seria se o Flamengo não fosse também um clube de burocratas, para quem o lucro e o balanço positivo são mais importantes que jogadores identificados. Mas se identificar com o quê? Este novo Rubro-Negro ainda não sabe o que é nem o que quer ser, só sabe que não quer voltar a ser aquele antigo. O ‘coxinha’ pede a devolução do seu Flamengo, mas acha que cultuar ídolo é o mesmo que curtir garoto-propaganda. Torcida confusa, atletas sem identidade. Um clube que atravessa uma crise existencial. E sem direito a divã.

Reprodução: Linkedin


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Tulio Rodrigues