Texto de Mercio Querido feito a convite do Blog Ser Flamengo
Um mar de gente.
Talvez essa seja uma ótima denominação para o que era assistir aos jogos do Flamengo na minha infância. E o “talvez” entra aí para demonstrar o respeito à tarefa quase impossível de rotular o inominável.
Uma infância que não foi qualquer uma. Sempre que posso eu repito a mesma ladainha como se fosse um troféu de guerra. Uma condecoração sagrada e que não é dada a qualquer dos milhões de aguerridos rubro-negros: “Perdoem a minha soberba. Mas eu tinha 10 anos de idade em 1981”.
Outro orgulho é não poder lembrar a primeira vez que fui ao Templo. Não dá. Eu era pequeno demais para conseguir reter qualquer memória desse primeiro encontro. De qualquer forma, a lembrança mais antiga que tenho é a de, na minha sábia incompetência matemática, sair do estádio perguntando o placar ao meu pai, ainda sem saber muito bem a diferença entre um dois a um ou um três a dois, ou até mesmo um zero a zero.
Ainda sobre o Maracanã Antigo visto pelos olhos de um menino naquela década de ouro cabe o charme de, na caminhada alegre e festiva pelas ruas que levavam ao estádio, sermos SEMPRE maioria esmagadora. E nossa superioridade numérica e de qualidade em campo era tamanha então, que na minha inocência e, JURO PELO FLAMENGO não era deboche, eu caminhava arrastado pelas mãos do meu pai e, quando passávamos por um torcedor do “outro time” (Eu não fazia distinção. Os outros todos eram um grupo triste e uniforme. Simplesmente “os outros”), eu sempre olhava perplexo e pensava: “Porque as pessoas torcem pelos outros times? Não é tão claro que nós somos melhores e vamos ganhar sempre?
Tudo isso era bom mas só uma prévia para o que havia de melhor. E o melhor era mesmo ver o mar.
Uma multidão insaciável em sua paixão e que só sabia demonstrá-la através do som. Ensurdecedor. Mortalmente aterrorizante para os adversários e fonte de energia para os se-já-não-bastasse-tão-talentosos-jogadores.
Nem sei se na minha infância eu já tinha feito essa ligação mental ou se foi posterior. O fato é que, quando a torcida se inflamava e soltava o poderoso grito de “Meeeeeengoooooooo… Meeeeeengoooooo”, meu pai às vezes me levantava em seus ombros para que eu apreciasse o mar do alto. E aquilo era tudo. Era exatamente aquilo que eu esperava durante toda a semana. Mais do que os dribles e os gols. A minha espera era para ver aquela verdadeira força da natureza em toda a sua extensão.
Visualmente o mar-multidão se retorcia e quebrava em ondas mil de cima para baixo, de baixo para cima, para todos os lados, em todas as direções. Sonoramente era única a onda poderosa. Tatilmente eu me sentia fora daquilo. No alto dos ombros do meu pai eu conseguia me sentir apenas um sortudo espectador solitário daquele espetáculo visual.
Volta e meia eu tento recompor aquela sensação. Fiz isso no último Fla-Flu. A torcida reverberou seu grito forte na nova acústica logo após o gol. Abaixei um pouco e depois levantei-me o mais alto que pude na ponta dos pés. Não são as duzentas mil pessoas da década de oitenta. Eu não consigo ficar tão alto quanto nos ombros do meu pai. Não há mais o tornar tudo imenso dos olhos de uma criança. Mas eu recomponho sim. Nem que seja um fragmento de tudo aquilo.
Assim era o Antigo Maracanã. Bem… Assim era o Meu Antigo Maracanã. Porque o Maracanã tem disso. Lugar mágico que é, já que lida toda semana com a paixão de muita gente, ele é um só para cada um que o frequenta, mesmo após a pasteurização fifense.
Se eu perguntar para o meu filho ele provavelmente dirá que a melhor lembrança que tem do estádio é aquela deliciosa tarde do Hexa. Se perguntar para um ou outro aqui e acolá, vai dar para compor aos poucos uma colcha de retalhos emocional com recortes rubro-negros. O gol do Pet. O gol do Rondineli. O gol do Leandro no final daquele Fla-Flu. O gol de barriga do Renato… Sim, as dores também são parte integrante disso tudo. Só elas para tornarem os bons momentos melhores ainda.
Mas aí você tem que definir, né? O que é/foi o Maracanã pra você?
A maioria pode até responder: um lar. Muitos responderão sem nem ter tanto direito de falar assim.
O Meu Antigo Maracanã? O meu era um Mar. Um Mar de Gente.
Mercio escreve na coluna “Vida de torcedor” no site Falando de Flamengo
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