A apresentação feita pela diretoria do Flamengo nesta terça (23) lançou luz sobre um movimento silencioso, mas profundo, na estrutura financeira do clube. Ao detalhar o cenário atual dos direitos de transmissão, o rubro-negro expôs números, disputas jurídicas e escolhas estratégicas que ajudam a explicar por que a TV deixou de ser o pilar central do orçamento, algo impensável no futebol brasileiro até pouco tempo atrás.
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2025 foi o ano em que o Flamengo registrou um decréscimo de cerca de 27% nas receitas provenientes de direitos de transmissão. O número absoluto chama atenção: aproximadamente R$ 235 milhões a menos em relação ao ciclo anterior. A projeção para 2026 aponta uma arrecadação em torno de R$ 265 milhões.
A leitura da diretoria é clara. O Flamengo depende cada vez menos do dinheiro da televisão como fonte principal de sustentação. Essa mudança já se reflete no balanço mais recente e nas expectativas para os próximos anos, quando outras linhas de arrecadação devem superar, de forma consistente, os direitos de transmissão. Há pouco mais de quatro décadas, essa mesma rubrica ocupava o topo absoluto no futebol brasileiro. Hoje, no caso rubro-negro, ela já figura apenas como a quinta maior fonte de receita.
Essa inversão ajuda a entender por que o clube trata com frieza tentativas externas de associar seu sucesso esportivo e financeiro quase exclusivamente à TV. A mensagem transmitida é direta: quem acredita que enfraquecer o Flamengo passa, necessariamente, por reduzir sua fatia nas transmissões está olhando para um cenário que já não existe. Para muitos concorrentes, o dinheiro televisivo ainda representa dependência quase total. Para o Flamengo, tornou-se apenas uma parte do todo.
O debate ganha contornos mais complexos quando entra em cena a Libra. No atual contrato, o que esteve em disputa foram cerca de R$ 50 milhões anuais, multiplicados por cinco temporadas, o que chega a um impacto total estimado em R$ 266 milhões. A Justiça reconheceu, em parte, a tese do Flamengo, validando o direito à discussão sobre os critérios de divisão. Alguns depósitos judiciais já começaram a ser realizados, enquanto o caso segue para arbitragem.
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Internamente, a avaliação é realista. A expectativa não é recuperar a totalidade dos R$ 266 milhões, mas algo entre R$ 200 milhões e R$ 220 milhões ao longo de quatro anos. Diluído no tempo, isso representaria cerca de R$ 50 milhões por temporada, sem despesas associadas. Um reforço relevante de caixa, sobretudo em um contexto em que o clube não opera sob pressão financeira imediata.
Esse ponto é central na narrativa apresentada. Com faturamento elevado e caixa robusto, o Flamengo pode se dar ao luxo de não ter pressa. A diretoria deixou claro que negociar para receber menos, apenas para antecipar recursos, não faz sentido no cenário atual. A lógica se inverte: quem precisa de dinheiro rápido tende a ceder mais. Quem tem fôlego, espera.
A relação com a Libra também expõe fragilidades do contrato. Um dos exemplos citados envolve a queda de clubes participantes. Caso um integrante da liga seja rebaixado, o Flamengo pode perder automaticamente 10% da receita. Se outro clube, como o Remo, entrar na composição, não há ganho adicional, o bolo não cresce. Ele apenas é fatiado entre mais agremiações.
Outro ponto sensível está na rigidez contratual. Mesmo diante de conversas sobre renegociação com a Globo, a chamada “letra fria” não obriga a emissora a pagar mais. Há cláusulas que estabelecem um número mínimo de clubes na Série A, mas não preveem reajustes proporcionais caso esse número seja superado. O resultado é um sistema em que o risco é compartilhado de forma desigual.
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No campo jurídico, o Flamengo sustenta que os critérios de divisão deveriam refletir, de maneira mais fiel, o peso real de cada clube em audiência e pay-per-view. Inicialmente, esse índice foi fixado em 38%, enquanto a oferta apresentada era de apenas 21%. Uma auditoria posterior mostrou que o número correto era ainda maior: 40,4%. O impacto financeiro desse erro alimenta a disputa que pode render centenas de milhões ao clube nos próximos anos.
Ao amarrar esses pontos, a apresentação construiu uma narrativa coerente. O Flamengo não rompe com o modelo de direitos de transmissão, mas deixa claro que ele já não define o tamanho do clube. A independência em relação à TV, construída ao longo da última década, permite enfrentar contratos, arbitragens e negociações sem a urgência que marcou outros períodos da história rubro-negra.
O debate, ao fim, não se resume a cifras. Ele expõe uma transformação de mentalidade. O Flamengo que começou sua reestruturação em 2013 chega a 2025 com autonomia suficiente para desafiar modelos, questionar contratos e, sobretudo, escolher o tempo como aliado. No futebol brasileiro, isso ainda é exceção.
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Por Tulio Rodrigues (@PoetaTulio)
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