O debate sobre gramados sintéticos no futebol brasileiro ganhou novo fôlego nos últimos dois anos, mas ele está longe de ser recente ou repentino. Desde 2023, jogadores, treinadores e dirigentes vêm expondo problemas recorrentes no piso do Allianz Parque, casa do Palmeiras, apontando queda de rendimento, alteração na dinâmica do jogo e desgaste físico acima do esperado. O que mudou, de fato, foi o tom da cobertura quando o Flamengo decidiu entrar de forma direta na discussão, defendendo padronização nacional e qualidade técnica como pilares do espetáculo.
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Em janeiro de 2024, o Palmeiras já vivia um impasse público com a Soccer Grass, empresa responsável pela manutenção do gramado sintético da Academia de Futebol. O contrato foi rescindido após uma sequência de falhas também percebidas no centro de treinamento, onde não há shows nem uso excessivo, desmontando o principal argumento utilizado para justificar o desgaste do campo do Allianz. Naquele período, imagens de jogadores com material plástico grudado nas chuteiras circularam amplamente, acompanhadas de reclamações internas e externas.
Na mesma época, colunistas e comentaristas esportivos reconheceram a má qualidade do piso. PVC destacou a ruptura contratual e explicou problemas técnicos relacionados à memória da grama sintética, incapaz de retornar à posição vertical após a retirada das proteções. A discussão girava em torno de calor excessivo, poluição urbana e falhas no termoplástico utilizado, fatores que comprometiam diretamente o desempenho esportivo. Não se tratava de legalidade, já que o gramado seguia dentro dos parâmetros da FIFA, mas de qualidade efetiva.
O problema não foi resolvido. Em 2023 e ao longo de 2024, Abel Ferreira passou a reclamar abertamente da condição do campo, sempre relacionando o tema à perda de qualidade do jogo. Em julho de 2025, o próprio treinador foi direto ao afirmar que o gramado estava ruim e que a situação só poderia ser corrigida com uma troca completa, algo inviável em meio ao calendário de eventos do estádio. Gustavo Gómez seguiu a mesma linha, admitindo que o time precisava “aceitar” a situação por se tratar da casa palmeirense.
Nesse intervalo, a imprensa manteve um discurso relativamente uniforme. Programas esportivos classificaram o Allianz como dono de um dos piores gramados do país, mesmo entre os sintéticos. Arnaldo Ribeiro foi categórico ao chamá-lo de “lixo”, lembrando que não existe virtude em um campo artificial de baixa qualidade. Dani Lavieri reforçou que, se a opção é pelo sintético, ele precisa ser o melhor possível, o que claramente não vinha ocorrendo.
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A linha do tempo é reveladora. O gramado foi instalado em 2020 com promessa de vida útil de oito anos. Três temporadas depois, já apresentava desgaste severo. Desde 2023, discute-se a substituição integral do piso, algo confirmado por reuniões internas entre Palmeiras e WTorre, administradora do estádio. Mesmo assim, apenas paliativos foram aplicados até o fim de 2025, empurrando a decisão para depois do encerramento da temporada.
O discurso começou a mudar quando o Flamengo entrou formalmente no debate. Ao enviar à CBF um estudo defendendo padronização de gramados e priorizando a qualidade do jogo, o clube carioca deslocou o foco da discussão. Até então, o argumento mais usado por defensores do sintético era o comparativo com gramados naturais esburacados. O Fla, respaldado por atletas como Lucas Moura, Neymar e Thiago Silva, passou a sustentar que a questão central não são apenas lesões, mas a descaracterização do futebol praticado.
Lucas foi claro ao explicar que a reclamação dos jogadores é técnica. Segundo ele, a dinâmica do esporte muda, o ritmo é outro e a comparação com futebol society se torna inevitável. A FIFA permite gramados sintéticos, mas não os recomenda. Em Copas do Mundo e finais continentais, a entidade exige grama natural, o que reforça o caráter excepcional do uso do plástico, algo pensado originalmente para regiões onde a grama não cresce.
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Curiosamente, colunistas que antes classificavam o sintético como um “abuso permitido pela FIFA” passaram a relativizar o problema quando o Flamengo assumiu protagonismo. A crítica ao piso do Palmeiras, antes consensual, ganhou contornos defensivos. O argumento da legalidade voltou ao centro, desviando o foco da qualidade do espetáculo, da temperatura elevada e da padronização, pontos reiteradamente levantados pelo clube rubro-negro.
Os fatos, no entanto, permanecem os mesmos. O gramado do Allianz Parque sempre foi alvo de críticas, reconhecidas pela própria imprensa esportiva e por personagens centrais do Palmeiras. A diferença está no incômodo causado quando um clube do peso do Flamengo passa a vocalizar o debate, tirando-o do conforto seletivo e expondo contradições antigas. O campo não ficou ruim agora. Ele apenas deixou de ser ignorado quando o discurso deixou de ser conveniente.
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Por Tulio Rodrigues (@PoetaTulio)
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