O Flamengo reuniu representantes de Athletico Paranaense, Atlético-MG, Bahia, Botafogo e Vasco na tarde desta terça-feira (18), no Museu da História e da Cultura Afro-Brasileira (MUHCAB), no Centro do Rio, para debater as formas de enfrentamento ao racismo no esporte. O encontro, promovido em parceria com a Secretaria Municipal de Cultura, teve como objetivo apresentar práticas de letramento racial, discutir condutas institucionalizadas e refletir por que expressões comuns entre torcedores carregam sentidos discriminatórios.
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O seminário ocorreu menos de três meses depois de o Flamengo aprovar, por unanimidade, mudanças no Estatuto que estabelecem punições severas a associados, funcionários e prestadores de serviço envolvidos em episódios de racismo. A medida consolidou uma política que já vinha sendo implementada pelo setor de Responsabilidade Social e reforçou a necessidade de ações educativas dentro do clube.
O debate ganhou profundidade quando Walmer Perez, historiador do Vasco, tocou em um ponto que ainda provoca resistência: o caráter racista de expressões como “mulambo”, usadas frequentemente no vocabulário do torcedor brasileiro. Ele explicou que a origem do termo não deixa margem para dúvidas e que o fato de uma torcida incorporá-lo como identidade não anula sua carga histórica. “Mulambo sempre teve conotação racista. Mesmo quando o próprio negro utiliza a palavra, é preciso entender de onde ela veio e quem ela pretendia atingir”, afirmou. Ele destacou que esse processo de compreensão não é instantâneo e depende de educação continuada.
A discussão sobre “mulambo” reacende memórias do termo “urubu”, outro insulto racial que foi ressignificado ao longo das décadas pelos rubro-negros. A ressignificação não pode ser confundida com neutralização. O significado permanece, ainda que o uso tenha se transformado entre os torcedores do Flamengo.
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Outro ponto sensível abordado por ele foi a expressão “silêncio na favela”. O historiador lembrou que trata-se de um insulto que combina racismo e preconceito social, especialmente quando é direcionado por torcidas que não reconhecem o próprio território. “O Vasco está inserido em uma comunidade. Está dentro da Barreira, ao lado do Arará, convivendo diariamente com esses moradores. Quando um torcedor canta ‘silêncio na favela’, ele ignora a própria realidade do clube”, comentou, chamando atenção para como o desconhecimento alimenta discursos discriminatórios.
O encontro também contou com relatos de outras instituições. Henrique Muzzi, do Instituto Galo, observou que as ações no futebol brasileiro ainda são insuficientes e precisam avançar para que, em alguns anos, seja possível medir mudanças concretas. Débora Froquet, representante do Botafogo, reforçou a necessidade de posicionamento público. Ela lembrou que o Bahia precisou suspender um atleta envolvido em um caso de racismo, mesmo sob forte pressão da torcida. “Não existe exceção. Racismo é crime. A performance do atleta não pode servir de justificativa”, afirmou.
A gerente de Responsabilidade Social do Flamengo, Camila Nascimento, destacou que o seminário faz parte de um processo mais amplo de formação, que inclui colaboradores, atletas e integrantes das categorias de base. Segundo ela, criar ambientes seguros para discussões internas tem sido essencial para que o clube avance. “Quando as pessoas percebem que não estão sozinhas em suas experiências, o diálogo flui. E isso permite enfrentar temas sensíveis com profundidade”, disse.
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O evento reforçou o papel social dos clubes, especialmente daqueles que carregam identidades marcadas pela diversidade racial de suas torcidas. No caso do Flamengo, essa representatividade é uma das bases da própria construção simbólica do clube. Ainda assim, a presença de dirigentes negros ao longo da história foi rara, o que abriu espaço para reflexões sobre a necessidade de ampliar espaços de liderança ocupados por pessoas pretas e pardas. A lembrança de figuras como Milton Gonçalves, um dos poucos dirigentes negros a ocupar posição relevante no clube, surgiu como exemplo de visibilidade que precisa ser fortalecida.
Ao final, a apresentação do Olodum Rio deu o tom da celebração do Dia da Consciência Negra. Para além da música, a mensagem que ficou do encontro é de que o combate ao racismo depende de atitude institucional, mas também de consciência individual. A naturalização de termos aparentemente banais pode reproduzir séculos de exclusão. E, como mostraram os debates, reconhecer essa raiz é o primeiro passo para que o futebol consiga transformar a si mesmo.
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Por Tulio Rodrigues (@PoetaTulio)
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