A coluna publicada por Paulo Vinícius Coelho no último fim de semana, ao classificar a tentativa do Maracanã de alcançar o nível 4 de qualidade da FIFA como “prova do fracasso dos gramados do Brasil”, expôs mais do que uma opinião controversa. Revelou um problema recorrente do jornalismo esportivo nacional: a superficialidade técnica travestida de autoridade, num tema que exige precisão, contexto e responsabilidade.
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O texto saiu em um momento no qual não houve fato novo sobre o gramado do Maracanã. Ainda assim, a escolha do título foi assertiva no sentido do engajamento, mas profundamente equivocada do ponto de vista informativo. Ao tratar “nota 4” como sinônimo de fracasso, a coluna induziu o leitor a um erro básico de interpretação, como se a escala fosse de zero a dez. Não é.
A FIFA avalia gramados em uma escala de um a cinco. Nível 4 é considerado bom, plenamente apto para competições internacionais de alto nível. O nível máximo, cinco, é raro e reservado a condições quase ideais, como Copas do Mundo e grandes torneios continentais. Mesmo ligas de elite na Europa convivem majoritariamente com gramados classificados entre 4 e 4,5. Transformar esse patamar em símbolo de atraso não é apenas exagero, é desinformação.
O próprio ambiente digital tratou de corrigir o erro. A publicação recebeu nota de comunidade no X (antigo Twitter), apontando que a FIFA não utiliza escala de um a dez e que a caracterização do esforço como fiasco distorce deliberadamente os critérios técnicos. Não se trata de censura ou patrulha ideológica, mas de um alerta objetivo: o texto falhou no básico.
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O caso se torna ainda mais grave quando se observa o contexto. O Maracanã encerrou a temporada em boas condições, mesmo sendo o estádio que mais recebe partidas no país. A última avaliação apontou nível 3,5, patamar que já coloca o campo entre os melhores do Brasil, atrás apenas do Corinthians. Foi esse padrão, inclusive, que levou consultores da FIFA a considerarem o gramado apto para receber jogos da Copa do Mundo Feminina de 2027, algo ignorado na coluna.
A proposta apresentada pelo Flamengo à CBF, frequentemente distorcida no debate público, prevê uma padronização gradual. A ideia é estabelecer nível 4 como exigência mínima para estádios de elite até 2027 e, a partir de 2028, elevar o critério ao nível 5. Não há ruptura abrupta, nem imposição imediata a clubes que utilizam gramados sintéticos. Existe transição, planejamento e critério técnico. Reduzir esse processo a uma caricatura de “nota seis de dez” é falsear a discussão.
O silêncio seletivo também chama atenção. O mesmo rigor retórico não aparece quando o foco recai sobre gramados sintéticos que apresentam problemas recorrentes de impacto, temperatura e desgaste, como o do Allianz Parque, que durante anos operou com tecnologia inferior às versões mais modernas disponíveis no mercado. A crítica surge quando há projeto, transparência e dado público. Some quando há conveniência.
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Ao optar por um título sensacionalista, a coluna deixou de cumprir seu papel mais elementar: informar com clareza. O jornalismo esportivo não precisa abrir mão da crítica, mas ela perde valor quando se apoia em premissas falsas. Num cenário em que o debate sobre gramados envolve saúde dos atletas, calendário, investimento e padrão internacional, confundir escala técnica com juízo moral empobrece o diálogo.
O episódio não é isolado. Ele dialoga com uma lógica mais ampla de empobrecimento do debate esportivo, no qual conceitos técnicos são simplificados até a distorção e narrativas se sobrepõem aos fatos. O problema não é errar, mas insistir no erro quando os dados estão disponíveis, públicos e documentados.
Em um país que historicamente negligencia infraestrutura esportiva, tratar a busca por um padrão internacional como fracasso não é apenas incoerente. É trabalhar contra a própria evolução que se diz defender.
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Por Tulio Rodrigues (@PoetaTulio)
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