A discussão sobre os gramados no futebol brasileiro ganhou um eixo mais sensível e menos explorado após a divulgação de dados técnicos que apontam temperaturas extremamente elevadas nos campos sintéticos, especialmente em países de clima quente como o Brasil. O tema voltou ao centro do debate quando o Flamengo apresentou à CBF um estudo solicitado pela entidade, enquanto outros clubes optaram por respostas públicas sem encaminhar contribuições formais ao grupo de trabalho criado para tratar do assunto.
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O pedido partiu da própria CBF, que convidou todos os clubes a enviarem análises técnicas sobre padronização dos campos, segurança dos atletas e qualidade do jogo. O Flamengo atendeu à solicitação e protocolou um documento amplo, que vai além da dicotomia entre gramado natural e sintético. O estudo aborda critérios de qualidade, manutenção, irrigação, impacto biomecânico e, sobretudo, temperatura do piso, ponto que acabou sendo ignorado por boa parte das reações posteriores.
Em vez de responder tecnicamente ao estudo, parte dos clubes preferiu assumir uma narrativa de confronto, reduzindo o debate a uma oposição simplificada entre superfícies. A estratégia deslocou o foco do conteúdo apresentado para uma disputa política, esvaziando justamente o aspecto mais sensível levantado no documento: o efeito térmico do gramado sintético sobre o corpo do atleta.
Dados apresentados e citados na discussão mostram que a temperatura do gramado sintético pode atingir níveis alarmantes. Em medições realizadas sob sol intenso, campos sintéticos chegaram a registrar cerca de 69°C, enquanto gramados naturais ficaram próximos dos 34°C. Em um comparativo direto, até o asfalto de estacionamentos expostos ao sol apresentou temperatura inferior à do gramado sintético, algo em torno de 60°C.
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O dado chama atenção não apenas pelo número absoluto, mas pelo contexto brasileiro. Trata-se de um país com altas temperaturas durante boa parte do ano, calendário apertado e jogos disputados em horários de forte incidência solar. Diferentemente de outros esportes, o futebol expõe o atleta a contato constante com o solo. Quedas, carrinhos, disputas físicas e até o simples apoio do pé acontecem diretamente sobre uma superfície superaquecida.
Pesquisas internacionais reforçam o alerta. Levantamentos da FIFA com mais de mil atletas de dezenas de países indicam preferência majoritária pelo gramado natural. Já estudos conduzidos pela NFL entre 2012 e 2016 apontaram cerca de 27% mais lesões em campos sintéticos quando comparados aos naturais. Embora a ciência trabalhe com evidências e não com verdades absolutas, o acúmulo de dados segue apontando na mesma direção.
Do ponto de vista científico, o debate é legítimo e ainda aberto. Não há consenso definitivo, mas há indícios robustos. E é justamente por isso que a existência de um grupo de trabalho técnico seria o ambiente ideal para confrontar estudos, apresentar contrapontos e avançar em soluções. O que chama atenção é que, até aqui, apenas um clube formalizou sua contribuição à CBF, enquanto os demais preferiram a arena do discurso público.
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O próprio estudo do Flamengo não ignora os problemas dos gramados naturais no Brasil. Pelo contrário, reconhece que muitos estão longe de padrões mínimos de qualidade e defende critérios mais rígidos também para esse tipo de piso. A proposta central não é a exclusão de uma superfície, mas a elevação do padrão geral, com foco na integridade física do atleta e na qualidade do espetáculo.
Ao transformar a discussão em um embate raso, o futebol brasileiro perde a chance de enfrentar um problema estrutural com seriedade. A temperatura dos gramados sintéticos não é um detalhe periférico, mas um fator objetivo, mensurável e diretamente ligado à saúde do jogador. Ignorá-lo não resolve o problema. Apenas o adia.
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Por Tulio Rodrigues (@PoetaTulio)
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