Como o juiz justificou a absolvição dos réus no caso Ninho do Urubu e por que causa revolta

Como o juiz justificou a absolvição dos réus no caso Ninho do Urubu e por que causa revolta

O incêndio no Ninho do Urubu, ocorrido em 8 de fevereiro de 2019, voltou ao centro do noticiário nesta terça-feira (21). O juiz Thiago Fernandes de Barros, da 36ª Vara Criminal da Comarca da Capital, absolveu todos os sete réus que respondiam pelo caso. A decisão, em primeira instância, considerou que não há provas suficientes para apontar culpa penalmente relevante nem estabelecer um nexo causal seguro entre as ações dos acusados e o incêndio que matou dez jovens atletas do Flamengo, com idades entre 14 e 16 anos.


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A tragédia aconteceu no centro de treinamento do clube, em Vargem Grande, zona oeste do Rio. Na época, a investigação concluiu que o fogo começou após um curto-circuito em um aparelho de ar-condicionado. O incêndio se espalhou rapidamente porque os dormitórios eram compostos por seis contêineres interligados, revestidos com espuma altamente inflamável. Três garotos sobreviveram, com ferimentos graves.

Logo após o incêndio, a Prefeitura do Rio afirmou que o alojamento não possuía alvará para funcionar como dormitório. O local constava nos registros como estacionamento e não tinha a documentação definitiva do Corpo de Bombeiros. Havia ainda quase 30 autos de infração e um edital de interdição emitido em 2017, dois anos antes do episódio.

Mesmo com as irregularidades, o espaço continuou em uso. O clube, ao longo dos anos, firmou acordos com 11 das famílias das vítimas, mas o processo criminal seguiu. Em 2023, 11 pessoas foram denunciadas por incêndio culposo e lesão grave. Algumas denúncias foram rejeitadas e o ex-presidente Eduardo Bandeira de Mello acabou retirado da lista de réus após a prescrição do caso em relação a ele, por ter mais de 70 anos.

Em maio de 2025, o Ministério Público do Rio de Janeiro pediu a condenação dos sete réus, sustentando que suas condutas contribuíram para a tragédia. Mas o magistrado discordou. Segundo ele, “a ausência de demonstração de culpa penalmente relevante e a impossibilidade de estabelecer um nexo causal seguro entre as condutas e a ignição do fogo” inviabilizam qualquer condenação.

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Barros também apontou falhas na perícia. O laudo técnico não conseguiu determinar com segurança a origem do incêndio, porque os componentes essenciais do ar-condicionado, enrolamentos, conectores e terminais, foram destruídos pelo fogo. Sem a possibilidade de realizar um ensaio laboratorial que reproduzisse o defeito, o juiz considerou “plausível que o incêndio tenha decorrido de fatores externos ao motor”.

Outro ponto levantado foi o chamado “viés retrospectivo” do Ministério Público, que, segundo o juiz, reinterpreta o passado a partir do conhecimento do resultado. Em outras palavras, atribui aos réus uma capacidade de prever o desastre que, no momento dos fatos, não seria razoavelmente exigível. “O tipo culposo não se perfaz quando o resultado decorre da realização de um risco que, embora perigoso em si, se mantém dentro dos limites da normalidade e da tolerabilidade socialmente reconhecida”, escreveu Barros, em sua sentença.

O juiz também isentou o ex-diretor de meios do clube, Márcio Garotti, por entender que ele não tinha expertise técnica nem responsabilidade sobre a manutenção dos equipamentos. O mesmo raciocínio foi aplicado ao então diretor adjunto de patrimônio, Marcelo Sá, e ao engenheiro responsável pela empresa fornecedora dos contêineres, a NHJ. O magistrado considerou que os profissionais da empresa “agiram dentro das regras vigentes à época e confiaram em certificações internacionais válidas”.

Na CPI do incêndio, porém, depoimentos da própria diretora da NHJ confirmaram que a estrutura dos dormitórios não seguia as normas para alojamento. Grades nas janelas e portas de correr, ambas proibidas em espaços de pernoite, foram instaladas a pedido do Flamengo. Questionada sobre a decisão, a diretora da empresa afirmou: “fizemos o que o cliente solicitou”. Um dos deputados retrucou: “então, se o cliente pede algo fora da lei, vocês executam mesmo assim?”.

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A sentença também cita que o clube “decidiu de forma unilateral alterar inadequadamente a potência dos aparelhos de ar-condicionado, bem como manteve falhas estruturais na rede elétrica”, o que pode ter contribuído para a falha no sistema. O juiz, porém, não identificou quem dentro do Flamengo teria ordenado a modificação.

No fim, prevaleceu a dúvida. Sem provas periciais conclusivas e com laudos incompletos, o juiz entendeu que não havia como condenar ninguém. A decisão, no entanto, não encerra o caso. O Ministério Público já anunciou que recorrerá.

Seis anos depois da tragédia que tirou a vida de dez adolescentes e marcou para sempre o futebol brasileiro, a sentença reacende uma velha ferida: a sensação de que o país ainda tem dificuldade em responsabilizar instituições e pessoas por tragédias evitáveis. Enquanto o processo se arrasta, as famílias continuam à espera de justiça .

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Por Tulio Rodrigues (@PoetaTulio)

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Tulio Rodrigues

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