O Flamengo vive um ano de eleições e é comum que as pesquisas eleitorais ganhem destaque internamente entre os sócios, na imprensa e entre os torcedores do clube. Não há levantamento melhor para sentir o termômetro do pleito. Contudo, o nível de confiabilidade das empresas e dos dados apresentados está sendo questionado.
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PARA QUE SERVEM AS PESQUISAS?
Segundo Mauro Paulino, ex-diretor do Datafolha, a utilidade das pesquisas é “para conhecer a opinião dos brasileiros a respeito de diversos assuntos e, no caso das pesquisas eleitorais, acompanhar não só a posição de cada candidato no momento em que a pesquisa é feita, mas também o pensamento sobre outros assuntos que permeiam o processo eleitoral. As pesquisas são sempre um retrato do momento em que as entrevistas foram realizadas. Portanto, sempre que sai uma pesquisa eleitoral, ela se refere ao passado, mesmo que seja um passado recente”, disse ao G1.
Até o momento, no Flamengo, sete pesquisas foram divulgadas, sendo três da empresa INPR, uma do Mapear, do Instituto DATAVOX, da Ulrich Pesquisa e Marketing e da BEE (Bureau de Estatística e Estratégias). Os dados publicados pelos pesquisadores são amplamente questionados internamente, e não sem razão. A maioria dos institutos apresenta falta de transparência, metodologia e informações diversas, como nos questionários e na amostragem.
QUESTIONÁRIO E AMOSTRAGEM:
“A primeira coisa a ser definida em uma pesquisa de intenção de votos pelos pesquisadores é o questionário. O questionário é o coração da pesquisa; é ele que abrange todos os assuntos mais palpitantes no momento em que a pesquisa for realizada e as intenções de voto”, define Mauro Paulino. Das cinco empresas envolvidas em pesquisas eleitorais do Flamengo, poucas divulgaram o tipo de questionário e as perguntas feitas aos entrevistados.
A amostragem refere-se à forma como as entrevistas são distribuídas para representar todos os eleitores. Essa distribuição pode ser feita considerando classe social, idade e gênero, por exemplo, em uma eleição nacional, estadual ou municipal. As pesquisas realizadas no Flamengo não buscam esse tipo de recorte; o levantamento é sempre feito com base na quantidade total, sem especificar categorias de associados e residência, por exemplo. A exceção foi a do MAPEAR, que trouxe um relatório separando as amostras em moradia, idade e sexo. O INPR também cita esses recortes em seu relatório, mas não apresenta os dados; porém, foi o único a divulgar o tipo de questionário usado: o estruturado.
Quanto à quantidade, isso é relativo. Segundo especialistas, o número de pessoas a serem ouvidas depende de um cálculo que considera o nível de precisão e os detalhes desejados. O maior objetivo com isso é fazer o menor número possível de entrevistas para que o resultado pretendido seja alcançado. As pesquisas feitas até agora no Flamengo têm uma variação na quantidade de sócios ouvidos, entre 200, 300 e 400.
PECULIARIDADES DO PROCESSO ELEITORAL DO FLAMENGO:
Buscando desenhar um retrato do momento em que as entrevistas são feitas, os institutos enfrentam dificuldades, pois, assim como nos EUA, a eleição do Flamengo não obriga o associado a votar e cada eleição tem uma relação de eleitores diferentes. Somente o MAPEAR levantou a porcentagem dos sócios que pretendem ir à Gávea no dia 9 de dezembro; porém, o levantamento foi feito em julho. Das sete pesquisas até o momento, quatro foram realizadas ou iniciadas antes de 31 de agosto, data em que é publicada a Relação dos Eleitores aptos a votarem. Com a aplicação da LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados), somente 1.246 sócios aceitaram compartilhar seus dados, em um universo de 6.124 com direito a voto. Logo, sem acesso à listagem atualizada, é difícil refletir o verdadeiro cenário de intenção de votos, mesmo que do momento.
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DAR PARA CONFIAR NAS PESQUISAS?
Sem um órgão regulador, os sócios e torcedores do Flamengo se perguntam se podem ou não confiar nas amostras feitas até aqui. Mauro Paulino traz algumas atribuições para dar confiabilidade a uma pesquisa: a reputação de cada instituto, seu histórico em pleitos anteriores, se são filiados à ABEP (Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa) e também a conferência dos dados de registro da pesquisa no TSE (Tribunal Superior Eleitoral), o que, por ser o clube uma instituição privada, não regula suas eleições internas.
Todas as empresas contratadas para realizar pesquisas sobre a eleição do Flamengo até agora não são afiliadas à ABEP. Como afiliado, o instituto é obrigado a seguir o estatuto, códigos de conduta e guia de boas práticas da associação, que inclui parcerias com associações internacionais para dar confiabilidade e para a aplicação de diretrizes claras e transparentes na execução dos seus levantamentos.
A falta de transparência com as informações divulgadas nas pesquisas, como o nome do pesquisador e informações dos próprios institutos, mina a credibilidade das amostras. Há institutos que não têm site, contato e até mesmo um histórico. O INPR não apresenta nenhum dado de identificação sobre a empresa, nem qualquer menção na internet sobre trabalhos anteriores.
PESQUISAS UTILIZADAS COMO INSTRUMENTO DE MANIPULAÇÃO:
Como define o comunicador social e advogado Elson Araújo em artigo no Jusbrasil: “Não é por acaso que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), mesmo de forma equivocada, tenta encontrar uma maneira de ‘enquadrar’ as pesquisas eleitorais de tal modo que não sirvam criminosamente de instrumento de manipulação da vontade do eleitor. E é isso que tem se observado no Brasil ao longo dos anos (com um verniz de legalidade): o uso das pesquisas com a intenção de confundir a opinião pública e, com isso, conseguir algum tipo de vantagem eleitoral”.
A preocupação não é infundada e não vem de agora. Em 2010, ano de eleição nacional no Brasil, o site da Câmara dos Deputados já expressava preocupação com o uso de pesquisas para manipular e influenciar o eleitor: “O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) regula a realização e divulgação dessas pesquisas para evitar que a manipulação de resultados possa influenciar o eleitor e distorcer os resultados, mas cabe ao eleitor interpretar o que é realista ou não nessas pesquisas”, diz um trecho do artigo assinado pelo cientista político Alexandre Horta e Eduardo Nakano, professor de estatística.
Em abril deste ano, o Ministério Público Federal, através da PGR (Procuradoria-Geral da República), trouxe novas regras de controle de pesquisa para dar mais transparência em suas realizações. Isso se deve aos levantamentos feitos com recursos dos próprios institutos.
Para seguir os critérios do TSE, a pesquisa deve ser cadastrada no Sistema de Registro de Pesquisas Eleitorais (PesqEle) até cinco dias antes da divulgação do resultado. No cadastro, é necessário informar os dados completos do contratante, a origem dos recursos que custearam o levantamento e um relatório detalhado com: “o período de realização do levantamento; o tamanho da amostra; a margem de erro; o nível de confiança; o público-alvo; a fonte pública dos dados utilizados para elaboração da amostra e a metodologia”.
As pesquisas eleitorais do Flamengo, divulgadas até agora, carecem de informações óbvias, como margem de erro, nível de confiança e rejeição. Internamente, os levantamentos realizados pelo INPR são os mais questionados, pois as datas em que foram escolhidas para divulgação são consideradas estratégicas e voltadas para manipular a opinião pública, a imprensa, os torcedores e os associados do clube. A primeira, publicada no fim de agosto, foi logo depois do primeiro levantamento que colocou Luiz Eduardo Baptista e Maurício Gomes de Mattos na liderança; a segunda, no mesmo dia do lançamento da chapa de Bap e da amostragem feita pela BEE (contratada pelo próprio), que também colocou o candidato da chapa “Raça, Amor & Gestão” na liderança. Esse levantamento foi feito por e-mail, algo não recomendado atualmente. IPEC e Datafolha, por exemplo, preferem realizar as entrevistas de maneira presencial. A última, a terceira, foi no dia seguinte à vergonhosa eliminação da equipe na Libertadores, após um empate sem gols com o Peñarol.
Ou seja, as pesquisas, em sua maioria, não estão sendo usadas para conhecer a opinião dos sócios “a respeito de diversos assuntos e, no caso das pesquisas eleitorais, acompanhar não só a posição de cada candidato no momento em que a pesquisa é feita, mas também o pensamento sobre outros assuntos que permeiam o processo eleitoral”, mas com outra finalidade: fazer campanha, como a pesquisa da Bureau de Estatística e Estratégias, divulgada no dia do lançamento do candidato Luiz Eduardo Baptista e, ao que parece, para tentar manipular a opinião pública e a dos sócios, como as da INPR.
Dada a falta de transparência, critérios e credibilidade, fica difícil confiar totalmente em qualquer uma das pesquisas. Desde os institutos até os levantamentos realizados, há fragilidades constatadas, se comparadas com outros grandes institutos que costumam realizar amostragens nas campanhas eleitorais nacionais, estaduais e municipais, e também com a regulação feita pelo TSE, que visa trazer clareza, fonte de consulta para a população e informações essenciais.
O QUE FAZER NO FLAMENGO?
Os sócios e conselheiros do Flamengo devem refletir sobre maneiras de auditar essas pesquisas. No início do ano eleitoral, poderia ser criado um comitê independente de especialistas, com critérios semelhantes aos do TSE, para fiscalizar e permitir a divulgação dos levantamentos apenas com a chancela desse grupo, proibindo que pré-candidatos ou chapas divulguem pesquisas sem respeitar critérios de transparência e metodológicos.
Essa seria a melhor forma de conferir credibilidade aos levantamentos e garantir que eles sejam confiáveis no debate eleitoral do Flamengo. Pesquisas que não passassem por essa comissão seriam, evidentemente, questionadas por torcedores e sócios.
Quem contrata e divulga pesquisas sem oferecer a devida transparência e que foge dos objetivos essenciais para o processo democrático desrespeita a importância de uma eleição do Clube de Regatas do Flamengo, faltando com respeito aos associados, torcedores, imprensa e à opinião pública em geral. É uma reflexão necessária para o próximo pleito, visando evitar tentativas de manipulação.
Observação: Os questionamentos sobre transparência e as considerações sobre a confiabilidade das empresas mencionadas na matéria referem-se exclusivamente ao campo de atuação em pesquisas eleitorais. Algumas dessas empresas atuam em outras áreas de amostragem, as quais não foram avaliadas ou analisadas neste contexto.
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Edição sob a foto de Paula Reis/Flamengo
Esse texto é uma reportagem opinativa: Uma reportagem opinativa é um gênero jornalístico que combina elementos de reportagem e opinião. Diferente da reportagem tradicional, que busca apresentar os fatos de forma neutra e imparcial, a reportagem opinativa inclui a análise e interpretação do jornalista ou do autor sobre os eventos, personagens ou temas abordados.
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Por Tulio Rodrigues (@PoetaTulio)
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