Fala de Bap expõe hipocrisia e seletividade no jornalismo e entre dirigentes do futebol brasileiro
A polêmica em torno da fala de Luiz Eduardo Baptista, o Bap, ganhou proporções nacionais após uma reunião institucional do Flamengo, realizada na última terça (23). O dirigente errou. A observação feita sobre uma jornalista não foi adequada e não contribuiu para o debate. Isso está dado. O que passou a exigir análise mais cuidadosa foi o que veio depois: a reação seletiva de parte da imprensa esportiva e de dirigentes que escolheram quando, como e contra quem transformar o erro em bandeira moral.
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O episódio ocorreu durante um encontro formal, com transmissão e presença dos sócios do clube. A fala atravessou o limite do aceitável e foi corretamente questionada por mulheres que se posicionaram, explicaram por que aquele tipo de comentário reforça práticas nocivas e cobraram responsabilidade. Esse movimento é legítimo e necessário. O problema começou quando o debate deixou de ser sobre comportamento e passou a ser instrumentalizado por conveniência clubística, política e editorial.
Não é a primeira vez que o futebol brasileiro convive com declarações machistas, homofóbicas ou ofensivas em coletivas, programas de TV e redes sociais. A diferença está na forma como cada caso é tratado. Quando Abel Ferreira teve uma postura inadequada em relação a uma repórter, a presidente do Palmeiras, Leila Pereira, optou pelo silêncio institucional. Disse à época que não via necessidade de se manifestar sempre que episódios assim ocorressem, mesmo envolvendo funcionários do clube. O assunto foi tratado internamente e encerrado sem posicionamento público do clube.
Agora, diante do erro cometido por um dirigente adversário, a mesma presidente se manifestou de forma dura, com nota pública, solidariedade à jornalista e discurso firme contra a misoginia. O contraste não passou despercebido, inclusive entre torcedores do próprio Palmeiras. Não se trata de desqualificar a pauta, mas de apontar a incoerência. Ou a causa é permanente, ou vira ferramenta ocasional de disputa.
O mesmo padrão se repetiu no jornalismo esportivo. Profissionais que cobraram punições exemplares, discursos pedagógicos e indignação coletiva ignoraram, em outros momentos, episódios igualmente graves protagonizados por personagens com quem mantêm relações profissionais ou afinidades editoriais. Comentários sobre aparência física de dirigentes, piadas constrangedoras em programas ao vivo, ofensas diretas a atletas e dirigentes, além de casos claros de homofobia, passaram sem a mesma energia crítica.
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Quando Vitor Roque protagonizou um episódio de cunho homofóbico, confirmado posteriormente em acordo com o STJD, a reação de parte da imprensa foi branda, relativizada ou simplesmente inexistente. Em casos semelhantes, jornalistas optaram pelo silêncio ou por explicações que diluíam a gravidade do ato. O rigor aparece e desaparece conforme o personagem, o clube ou o contexto.
Essa seletividade enfraquece a própria luta que se diz defender. Causas estruturais, como o combate ao machismo, à homofobia e ao racismo, não sobrevivem a tratamentos oportunistas. Quando o erro vira munição contra adversários e é relativizado entre aliados, a mensagem transmitida é clara: não se trata de valores, mas de conveniência.
O jornalismo, especialmente aquele com grande alcance, tem função social. Não é apenas informar, mas também estabelecer parâmetros mínimos de comportamento público. Quando um comentarista chama um dirigente de “merda” em rede nacional, quando piadas ofensivas são naturalizadas em mesas de debate, ou quando ataques pessoais substituem argumentos, algo se perde no caminho. Não há ética que resista à lógica do vale-tudo.
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CASO PREFIRA OUVIR:
O debate sobre a fala de Bap deveria ter servido para ampliar a reflexão, não para escancarar incoerências antigas. Errar faz parte do processo humano, aprender com o erro também. O que não pode ser normalizado é a militância seletiva, que escolhe causas conforme o escudo no peito ou o crachá no bolso.
Se o futebol brasileiro quiser amadurecer fora das quatro linhas, precisa começar pelo básico: coerência. Sem isso, toda indignação soa ensaiada, toda nota parece estratégica e toda causa corre o risco de virar apenas mais um instrumento de guerra simbólica.
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Por Tulio Rodrigues (@PoetaTulio)
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