Flamengo x Libra: documentos alterados, acusações à justiça: por que não questionam esse mau jornalismo?

O debate sobre o papel e os limites do jornalismo esportivo brasileiro ganhou novos contornos após declarações e publicações recentes de nomes conhecidos do meio, como Paulo Vinícius Coelho (PVC) e Danilo Lavieri. O caso começou com afirmações de que o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro teria “liminares favoráveis a dirigentes”, o que motivou reação pública da Associação dos Magistrados do Rio (Amaerj) e reacendeu uma discussão antiga: por que esse mau jornalismo não é repudiado?
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O episódio ganhou corpo no fim de setembro, quando PVC publicou em seu blog no UOL uma análise sobre a postura do Flamengo na Liga Forte Futebol e, em determinado trecho, escreveu que “o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro [é] sempre favorável aos pleitos de dirigentes”. A frase, direta e sem condicionantes, gerou incômodo entre magistrados e foi interpretada como uma acusação de favorecimento institucional. Dias depois, o jornalista tentou esclarecer o comentário no programa De Primeira, afirmando que teria se referido apenas a liminares “que caem em Brasília”. Ainda assim, a explicação não convenceu parte do público nem a própria Amaerj, que divulgou nota de repúdio.
A tentativa de PVC de transformar o episódio em uma questão semântica, “insinuar é verbo transitivo direto”, disse ele, em tom de defesa, acabou ampliando a polêmica. Afinal, o problema não estava na gramática, mas na responsabilidade de quem, ao escrever para milhões de leitores, deve sustentar as afirmações com precisão factual.
O pano de fundo era a disputa jurídica e política em torno da Libra, grupo de clubes que tenta estruturar uma liga independente. O Flamengo, insatisfeito com os critérios, entrou com ação no Tribunal do Rio, o que reacendeu discussões sobre a neutralidade do Judiciário fluminense. O tema, contudo, foi contaminado por versões equivocadas, como a de que o tribunal teria beneficiado o presidente da CBF, Ednaldo Rodrigues.
Nesse ponto, o erro foi duplo. Tanto PVC quanto Lavieri afirmaram que o TJRJ havia concedido liminares favoráveis a Ednaldo, quando, na verdade, ocorreu o contrário: foi o STF, por decisão monocrática do ministro Gilmar Mendes, que restabeleceu o dirigente no cargo após sua destituição pelo tribunal carioca, em dezembro de 2023. O equívoco, corrigido publicamente por outros jornalistas, jamais foi reconhecido pelos autores da afirmação.
A LIVE COMPLETA:
A cronologia ajuda a dissipar a névoa:
- Dezembro de 2023: o TJRJ afasta Ednaldo Rodrigues da presidência da CBF;
- Janeiro de 2024: o STF o reconduz ao cargo;
- Maio de 2025: o mesmo tribunal fluminense confirma a destituição definitiva do dirigente;
Em nenhum momento houve liminar do TJRJ em favor de Ednaldo.
Mesmo diante dos fatos, o debate migrou para o campo da retórica, e parte da imprensa esportiva se dividiu entre a autocrítica e a defesa corporativa. Enquanto alguns veículos republicaram a nota de repúdio da Amaerj, o silêncio predominou entre os colegas mais próximos dos envolvidos. O resultado foi um ambiente de desconfiança, onde críticas legítimas ao comportamento de torcedores ou dirigentes passaram a ser confundidas com militância e clubismo.
A polêmica revela algo maior: a dificuldade do jornalismo esportivo brasileiro em lidar com seus próprios vícios. Há anos, a fronteira entre opinião e informação se dilui nas redes sociais, onde o imediatismo substitui a apuração e a ironia vira argumento. O caso de PVC é simbólico porque envolve um profissional historicamente reconhecido pela defesa do rigor informativo, e porque, ao reagir com soberba em vez de correção, ele acaba reforçando o descrédito que tanto critica.
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“Vergonha para o jornalista é equivocar-se na informação”, escreveu o próprio PVC em seu livro “Jornalismo Esportivo”. A frase, resgatada agora, funciona quase como um espelho invertido: o autor do princípio acabou desmentido pelo próprio comportamento.
O episódio, enfim, deveria servir de ponto de inflexão para a imprensa esportiva, que há tempos confunde rivalidade com pauta e engajamento com credibilidade. O jornalismo, quando esquece o compromisso com a verdade, perde o direito de cobrar ética dos outros, seja de dirigentes, juízes ou torcedores.
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Por Tulio Rodrigues (@PoetaTulio)
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