Jornalista chama Flamengo de antipático por ”briga” com a Libra, mas não apresenta alternativa
A discussão sobre a postura política do Flamengo voltou ao centro do debate após comentários feitos em um programa do UOL, em que a gestão rubro-negra foi classificada como “antipática”, apesar de reconhecida como competente e séria. A fala surgiu a partir de uma provocação recorrente: a ideia de que o Flamengo desejaria se transformar no “Bayern do futebol brasileiro”, argumento atribuído ao CEO do Grêmio e rapidamente incorporado por parte da imprensa.
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O ponto de partida já nasce frágil. Não há registro público de dirigentes do Flamengo defendendo a construção de um cenário hegemônico à moda da Bundesliga, tampouco de um projeto que busque sufocar concorrentes. O que existe, reiterado mais de uma vez, é o discurso de tornar o clube o “Real Madrid das Américas“, referência de gestão, marca global e competitividade esportiva. São conceitos distintos, mas que acabam tratados como sinônimos em análises apressadas.
A crítica apresentada no programa reconhece méritos administrativos da atual direção, mas condena a forma como o clube reivindica seus interesses, especialmente no ambiente da Liga do Futebol Brasileiro, a Libra. Segundo o comentário de Fabíola Andrade, o Flamengo poderia defender seus direitos de maneira mais “amigável”, evitando atritos com rivais e aliados. A observação, embora legítima como opinião, ignora uma sequência de fatos que ajudam a compreender por que o conflito chegou ao ponto em que chegou.
Quando a nova gestão assumiu, no início de 2025, um dos primeiros movimentos foi a análise minuciosa dos contratos de direitos de transmissão. Nesse processo, o Flamengo identificou uma lacuna relevante: a indefinição sobre o pagamento dos 30% referentes à audiência, parcela que não estava claramente regulamentada nem no contrato firmado com a Globo nem no estatuto da Libra. Diante disso, o clube propôs a abertura de um debate interno já em fevereiro.
Durante meses, o Flamengo permaneceu na mesa de negociação. Houve reuniões, tentativas de conciliação e propostas alternativas. Em pelo menos uma dessas ocasiões, representantes de clubes como Palmeiras e São Paulo se levantaram da mesa e deixaram o encontro, encerrando o diálogo de forma unilateral. Ainda assim, o rubro-negro seguiu dentro da liga até agosto, insistindo em uma solução institucional.
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Paralelamente, a Libra tomou decisões que aprofundaram a crise. Alterou pontos sensíveis do edital sem respaldo estatutário, aprovou resoluções sem a unanimidade exigida, não disponibilizou atas completas das reuniões e se recusou a fornecer gravações solicitadas formalmente pelo Flamengo. Esses episódios, amplamente documentados, antecedem qualquer ação judicial. O recurso à Justiça só ocorreu após oito meses de negociações frustradas.
É nesse contexto que a acusação de antipatia soa deslocada. Em que momento, exatamente, o Flamengo deixou de agir de forma amistosa? Ao propor debate interno? Ao permanecer meses tentando negociar? Ou ao recorrer ao Judiciário depois de sucessivas negativas e descumprimentos do estatuto por parte da própria liga? A crítica ignora esse percurso e reduz o conflito a um traço de personalidade da gestão.
O mesmo ocorre na leitura sobre os embates com Leila Pereira. O conflito não começou com ataques públicos do Flamengo. A disputa já tramitava na segunda instância quando uma decisão judicial determinou a retenção de valores. Após a divulgação da informação, o clube publicou nota oficial, sem personalizar o embate. A individualização veio depois, por iniciativa da presidente do Palmeiras, em declarações públicas marcadas por bravatas, muitas delas aplaudidas por setores da imprensa.
Houve, inclusive, quem classificasse como “corajosa” a fala que defendia a criação de uma liga sem o Flamengo, algo que, na prática, representaria uma ruptura antidemocrática. Mais recentemente, a mesma dirigente tenta impor mudanças estatutárias em seu próprio clube, gerando reação interna. A incoerência do tratamento midiático é evidente.
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Outro ponto recorrente no debate é a insistência em associar o crescimento financeiro do Flamengo quase exclusivamente aos direitos de transmissão. Os números desmentem essa narrativa. Hoje, a TV representa algo entre 12% e 14% da receita total do clube. O grosso do faturamento vem de patrocínios, licenciamento, marketing e exploração de marca. Em 2025, o Flamengo deve se tornar o primeiro clube sul-americano a ultrapassar a marca de 2 bilhões de reais em arrecadação, independentemente de qualquer privilégio televisivo.
Diante desse cenário, a pergunta que fica é simples e raramente respondida: qual seria a alternativa concreta? Abrir mão de valores que o clube entende como de direito? Ignorar cláusulas mal resolvidas em contratos milionários? Um presidente que agisse assim poderia, inclusive, ser responsabilizado internamente por omissão. Defender interesses institucionais não é bravata, é obrigação.
Criticar é parte essencial do jornalismo. Mas a crítica que se limita ao rótulo, sem considerar o histórico dos fatos e sem apresentar caminhos viáveis, corre o risco de se tornar apenas retórica. No debate sobre a Libra, o Flamengo errou e acertou, como qualquer instituição. O que não fez foi se omitir. Reduzir tudo isso a uma suposta antipatia é simplificar um conflito complexo e, de certa forma, confortável.
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Por Tulio Rodrigues (@PoetaTulio)
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