A reação de Milly Lacombe ao posicionamento público de Zico sobre a reportagem de Renata Mendonça abriu mais um capítulo ruidoso no debate recente sobre jornalismo esportivo, futebol feminino e responsabilidade na apuração. O episódio ganhou corpo após o maior ídolo da história do Flamengo rebater informações divulgadas em outubro sobre o uso do CFZ como local de treino da equipe feminina, contestando dados apresentados e afirmando que o centro foi retratado de forma distorcida. A partir daí, a discussão deixou de ser apenas estrutural e passou a orbitar linguagem, ética jornalística e critérios desiguais de cobrança.
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Zico falou após o Jogo das Estrelas no Maracanã, ao ser questionado diretamente sobre a matéria. Não atacou a jornalista, não desqualificou sua trajetória e, em alguns pontos, reconheceu que a estrutura do CFZ não foi concebida para abrigar um time profissional. O que fez foi rebater trechos específicos, sobretudo aqueles que sugeriam um funcionamento cotidiano em condições precárias, com imagens que, segundo ele, não representavam a rotina do local. Também afirmou ter procurado Renata Mendonça à época, em conversa privada, para apresentar esses contrapontos.
A coluna de Milly Lacombe, no entanto, adotou outro enquadramento. O texto parte da premissa de que Zico “partiu para cima” da jornalista e trata o conteúdo do vídeo como incontestável. Ao longo do artigo, Milly utiliza termos como “caos”, “condições deploráveis” e “abandono”, reforçando uma leitura máxima do material divulgado. O problema central não está na crítica à estrutura, que é legítima, mas na ausência de questionamento sobre o método de apuração que originou a denúncia.
Renata Mendonça não ouviu o CFZ, tampouco Zico, antes da publicação. Esse dado é público e jamais foi negado. Ainda assim, na defesa enfática feita por Milly, essa lacuna não aparece como falha relevante. O manual de redação do UOL (Folha) é citado para condenar o uso da palavra “denegrir” por Zico, mas o mesmo rigor não é aplicado à jornalista que deixou de ouvir todos os envolvidos, princípio elementar do jornalismo profissional.
A assimetria chama atenção. Zico, que não é jornalista, é cobrado como se fosse. Renata, que é repórter experiente, não recebe a mesma exigência técnica. O debate sobre linguagem é válido e necessário. O termo utilizado por Zico pode e deve ser evitado, sobretudo em tempos de maior consciência sobre o peso simbólico das palavras. O próprio contexto contemporâneo aponta alternativas mais adequadas. Mas transformar essa discussão em eixo central, enquanto se ignora a fragilidade da apuração original, revela um desequilíbrio difícil de justificar.
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Há também um exagero retórico evidente. Ao associar o uso de contêineres no CFZ à tragédia do Ninho do Urubu, Milly desloca o debate para um terreno emocionalmente carregado, sem relação direta com os fatos. No CFZ não há alojamento, não há pernoite, não há situação comparável. A associação, além de imprecisa, banaliza uma tragédia real ao utilizá-la como argumento retórico.
Outro ponto sensível é a insinuação recorrente de que Zico teria descredibilizado a denúncia para proteger interesses pessoais. O ex-jogador deixou claro que o CFZ não foi criado para receber equipes profissionais e que o uso pelo Flamengo ocorreu de forma emergencial, em um contexto específico. Negar isso não é defender o clube, mas apresentar uma versão que precisa ser considerada. Jornalismo não é a soma de fragmentos que reforçam uma tese, mas o confronto honesto entre versões.
O silêncio de Milly sobre esse aspecto reforça a sensação de seletividade. O mesmo texto que cobra solidariedade institucional e responsabilidade coletiva não dedica uma linha à ausência de contraditório na reportagem original. Ao defender a jornalista, a coluna acaba blindando práticas que enfraquecem a credibilidade da própria imprensa, algo especialmente grave em um momento de desconfiança generalizada.
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Quando se observa a linha do tempo completa, fica claro que o problema não começa no CFZ. O deslocamento das atletas, os ajustes financeiros, a saída de nomes históricos e a mudança de gestão formam um mesmo enredo. Concentrar o debate apenas na estrutura física, sem contextualizar as decisões anteriores, empobrece a análise e desvia o foco do que realmente está em jogo.
O futebol feminino do Flamengo entrou em 2025 vivendo um paradoxo. Dentro de campo, acumulou títulos importantes nas categorias de base e manteve relevância competitiva. Fora dele, passou a ser tratado como um projeto deficitário, à espera de parceiros e soluções que ainda não se materializaram. O CFZ, nesse cenário, aparece mais como consequência do que como causa.
O que faltou até aqui não foi indignação pontual, mas discussão contínua. O tema só ganhou força quando imagens circularam e personagens simbólicos foram expostos. Antes disso, decisões estruturais passaram quase despercebidas. Entender por que o Flamengo levou o futebol feminino para o CFZ exige olhar para esse percurso completo, com dados, datas e escolhas, e não apenas para o recorte mais ruidoso da história.
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Por Tulio Rodrigues (@PoetaTulio)
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