Quem visita o Flamengo hoje talvez não perceba o tamanho real da história guardada atrás das portas da Gávea. O clube mantém mais de 35 mil peças catalogadas, ou em processo de catalogação, dentro do departamento de patrimônio histórico, responsável por conservar camisas raras, troféus centenários e objetos ligados a ídolos de várias gerações. Embora o museu inaugurado em 2023 tenha renovado a forma como o torcedor acessa essa memória, ele exibe apenas uma pequena fração do que o Fla acumulou em 130 anos. O restante permanece em salas apertadas, armários reforçados e ambientes que já não comportam o volume crescente do acervo.
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O setor de patrimônio funciona com uma equipe de aproximadamente vinte profissionais. Pesquisadores, restauradores, museólogos e historiadores que lidam diariamente com itens de diferentes períodos, alguns tão sensíveis que exigem técnicas específicas de conservação. Muitas dessas práticas são desenvolvidas dentro do próprio departamento, como métodos de preservação de camisas, luvas e materiais têxteis. Essa autonomia, segundo funcionários, evitou que o Flamengo dependesse de empresas externas para restaurações básicas, mas também ampliou o volume de trabalho.
A rotina inclui catalogar peças recentes e antigas, mas também confirmar a autenticidade de materiais que chegam ao clube. Quando alguém aparece com uma camisa dizendo ser de Zico, por exemplo, os especialistas passam por um processo minucioso de verificação: tecido, costura, época, fotos, registros de jogo. É um trabalho invisível ao público, mas fundamental para garantir precisão histórica.
Apesar dessa estrutura, o espaço destinado ao acervo se tornou insuficiente. Um armário gigantesco guarda milhares de objetos que ainda não foram para exposição. Em outra sala, as taças se acumulam. O Flamengo tem mais de sete mil troféus, número que segue crescendo. Há peças que sequer foram catalogadas. Isso explica por que a possível compra do acervo de Eduardo Vinícius, que tinha cerca de 22 a 23 mil itens, poderia se tornar inviável nos moldes atuais: o clube simplesmente não teria onde armazenar tudo.
O museu poderia ajudar a desafogar parte desse volume, ampliando o número de peças expostas. No entanto, a expansão esperada desde a inauguração não avançou. O segundo andar, que seria integrado à visitação, depende de investimento da empresa que administra o museu. No modelo atual, a Mude Brasil faz a operação e é responsável pelos custos da obra. O museu é superavitário: paga o mínimo garantido ao Flamengo e ainda entrega valores acima disso. Mas uma expansão aumentaria drasticamente os gastos da gestora, abrindo margem para um possível déficit, algo que a empresa considera inviável diante da atual projeção de receita.
Essa equação financeira explica parte do impasse. Em conversas com a gestão do clube, a empresa chegou a sugerir alternativas de uso para o segundo andar, como transformar o espaço em um bar temático ou outro empreendimento comercial. A proposta foi descartada de imediato: o Flamengo não quer dividir o museu com uma operação que não tenha relação direta com história, memória e identidade rubro-negra.
Enquanto o debate segue, o departamento de patrimônio continua atuando em outras frentes. Uma delas é a curadoria. A exposição permanente é complementada por pequenas intervenções ao longo do ano. Em 2025, por exemplo, houve um resgate dedicado a Adílio. A homenagem, embora bem recebida, levantou questionamentos internos e entre torcedores. O espaço reservado ao ídolo poderia ter sido transformado em uma mostra temática mais ampla, com camisas, fotos, livros e registros sobre sua trajetória. No museu atual, entretanto, essas iniciativas acontecem de forma esporádica, e o visitante que retorna depois de um ano encontra poucas novidades.
Há peças de valor quase incalculável. Entre elas, a camisa de um dos fundadores do Flamengo, um dos itens mais antigos do acervo. Vista de perto, provoca a sensação de estar diante de um documento vivo. Esse tipo de material reforça a necessidade de um espaço maior e seguro, capaz de proteger as peças mais frágeis.
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O departamento como existe hoje nasceu em 2016, quando começou a ser estruturado por profissionais especializados. Desde então, nomes como Daniel Rosenblat, Roberto Diniz e pesquisadores ligados à área de patrimônio esportivo contribuíram para aproximar o Flamengo de padrões adotados por museus internacionais. A curadoria atual inclui intelectuais, historiadores e autores que pesquisam a camisa, o clube e sua identidade cultural.
O problema é que a evolução do acervo ultrapassou a evolução do espaço físico. O museu cresce, mas o depósito cresce ainda mais. E sem uma solução definitiva para ampliar a área de visitação, ou criar uma nova reserva técnica fora da Gávea, como o clube cogita, o trabalho segue limitado por paredes estreitas.
Os próximos meses devem trazer uma definição. A reunião do Conselho prevista para o dia 24 discute mudanças no contrato com a gestora do museu. Caso aprovado, o Flamengo terá margem para renegociar responsabilidades e buscar uma expansão que não fique refém do balanço financeiro de uma empresa terceirizada. O que está em jogo não é apenas a ampliação de um espaço turístico, mas a capacidade do clube de cuidar da própria história e torná-la acessível a quem deseja conhecer as raízes do rubro-negro.
Conselho deliberativo deve aprovar academia no lugar do museu com facilidade
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Por Tulio Rodrigues (@PoetaTulio)
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