O meu dia de Hexa – Quintessência Rubro-negra

“Flamengo, não faz isso comigo. Você não pode fazer isso! É hoje. Não deixe que escape das suas mãos. Você me conhece muito bem, sabe que eu abaixo hospital, que posso morrer de desgosto! Eu te suplico, eu te imploro, faço tudo o que você quiser. Não como, não bebo, não durmo, mas, por favor, vai lá e conquista essa taça!”
O Manto pendurado na janela e eu, ajoelhada, mãos postas como em oração, clamava fervorosamente àquela que considero a Quintessência Rubro-Negra: que o Flamengo não deixasse o hexa escapar. Era a oportunidade de ouro. Lágrimas corriam pelo meu rosto, e a voz embargava de emoção, num turbilhão de sensações que ultrapassavam a ansiedade e beiravam a loucura propriamente dita.
Pela manhã cedo, minha mãe saiu para trabalhar. Antes disso, separou, como de costume, a caixa de calmantes naturais e pediu que eu me controlasse ao máximo. Estava receosa, pois sabia o estado em que só o Flamengo era capaz de me deixar, e temia que, em sua ausência — em pleno domingo — algo de ruim acontecesse com a minha saúde. Afinal, eu ficaria sozinha em casa, em meio às abruptas e violentas emoções que o Mengão me proporcionava.
Sinto demais por não ter tido a extrema realização de estar no Maraca naquele dia. Eu estava só, a muitas milhas de distância do Rio de Janeiro. Para ser mais exata, na região da Grande Salvador. E ainda saindo da infância, caminhando para a pré-adolescência. Numa fase em que não há muita maturidade emocional. Para falar a verdade, em se tratando de Flamengo, essa tal maturidade emocional nunca chegou para mim.
O fato é que eu jamais apenas torci pelo Fla. Eu sempre me entreguei por inteiro, numa relação de dependência total. Fiz das vitórias do clube a minha própria felicidade. E, por consequência, os dissabores também eram tomados como meus. O meu amor pelo Flamengo sempre ultrapassou todas as barreiras. Instalou-se no meu peito como salvação, como uma válvula de escape para meus anseios. O Flamengo chegou à minha vida para dar-lhe algum sentido e cor.
Cara pintada, uniformizada, em extremo nervosismo — eu já não cabia mais em meu próprio corpo quando o jogo começou. O Maracanã lindo, resplandecendo em glória numa das datas mais importantes para o Rubro-Negro. Minhas duas poodles acompanhavam agitadas os meus pulos e gritos estridentes na sala da minha antiga casa. As coitadas ficavam aflitas, ganiam, latiam e corriam de um lado para o outro, tentando expressar, em seus modos caninos, os sustos que eu lhes pregava a cada lance mais perigoso. Talvez eu risse, se não estivesse em tamanho nervosismo.
Quando Roberson marcou para o Grêmio, aos vinte e um minutos do primeiro tempo, eu congelei. Penso que o meu coração pausou, e meu sangue também parou de circular. A única coisa que corria em mim eram lágrimas, e minha visão foi embaçando até que eu não enxergasse nada além de borrões. Quando despertei do coma de um minuto, limpei os olhos e gritei bem fundo para afastar de mim os medos e maus pensamentos. E foi mais convicta que vi o Fla, oito minutos depois, conseguir o empate com a ousadia abençoada de David Braz. Naquele momento, o Inter sobrava no Beira-Rio pra cima do Santo André e vislumbrava a taça.
Intervalo. Jogo nervoso, como todos sabiam que seria. E eu só queria estar em meio à Nação naquele instante. Recebi ligações preocupadas da minha mãe, que avisou: havia pedido que alguém fosse até nossa casa ver se eu estava bem. Pouco ou nada me importava — nada seria capaz de alterar meu fleumático arroubo. Mais orações à Quintessência, e arrepios denunciavam as minhas sensações. Quinze minutos se passaram como quinze anos, e a partida iniciou sua segunda e última etapa.
Aos 24 minutos, o monstro das bolas paradas, Pet, cobrou na medida para o nosso humilde zagueirão Angelim marcar. Até hoje não sei explicar a vibração indelével que aquele gol me trouxe. Logo depois, uma tia minha foi me ver. Lembro como hoje do que me disse:
— Bruna, olhe o seu estado! Você vai morrer por esse time?
Desgrudei os olhos do televisor por um instante, apenas para dizer:
— O Flamengo é a minha vida. Morro por ele, com certeza.
E voltei para minha odisseia. Faltava pouco para desentalar o grito aprisionado na garganta da Nação por dezessete anos. Nada no mundo iria me roubar aquela emoção.
Quando o juiz pediu a bola, perdi todos os meus traços de autocontrole. Agradecia a Deus por estar viva para ver aquilo. Gritava como se a duração do momento dependesse da altura dos meus gritos. Eu me sentia como uma fera ferida que vingava a sua peleja. Eu me sentia como se pudesse desafiar a gravidade nas asas de um urubu. Eu queria me prostrar defronte ao escudo do Mengão, beijá-lo, quiçá morar nele. E soluçava em prantos, sentindo minha alma impregnada de alegria como jamais havia experimentado. A última coisa de que me lembro foi de ver o teto sumindo, sumindo… tudo escureceu.
Quando abri os olhos novamente, havia uma lua exuberante no céu. Muito zonza, liguei a luz e fui voltando aos poucos a mim mesma. Incólume o corpo, e a fugidia alma regressando… Com toda certeza, enquanto eu estava desacordada, ela voava nas asas do Urubu Rei.
Desconvencional, porém inesquecível. Esse foi o meu dia de HEXA.
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Twitter: Bruna Uchôa
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