Opinião: UniFla e o Princípio da Dispersão: A falta de protagonismo de Rodrigo Dunshee na campanha e a busca por um discurso coeso

Quando analisamos a campanha da chapa UniFla, de Rodrigo Dunshee, podemos afirmar que, mesmo sem querer, caíram no erro do Princípio da Dispersão; ao tentar abarcar muitos temas sem dominar o volume de apelos retóricos necessários. A dificuldade em persuadir o associado e o torcedor deve-se à falta de domínio do Princípio Dominante.


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Os temas que dominam o atual processo eleitoral do Flamengo são profissionalismo, governança, gestão de futebol e estádio próprio. Alguns desses tópicos foram ignorados pela UniFla, que buscou dar protagonismo aos resultados alcançados nas diversas modalidades. A descrição do cenário atual é positiva, mas limitada, pois há discordâncias sobre a maneira como esses resultados foram alcançados, e o futuro desejável requer aprofundamentos que a chapa evita debater.

No que diz respeito ao planejamento do estádio próprio, um dos temas centrais do processo eleitoral, a situação não consegue ser transparente, já que não traz dados detalhados e básicos: a capacidade será de 79, 80 ou 81 mil? Há um número apresentado no plano de governo e outros em entrevistas. As duas campanhas de oposição trouxeram elementos (planejamento para custear a obra) mais concretos dentro de suas limitações. Maurício Gomes de Mattos, por exemplo, já apresentou um estudo detalhado, mesmo sem ter acesso às mesmas informações que a situação.

A falta de informações claras inclui também a forma como o estádio será financiado. A situação apresenta soluções sem aprofundamento e sem uma análise crítica dos cenários, o que impede o associado e o torcedor de se sentirem persuadidos e convencidos de que a direção atual é capaz de executar um projeto de tamanha importância. O discurso soa mais político e eleitoreiro do que profissional.

O mesmo ocorre com o futebol: a UniFla insiste em dar protagonismo aos títulos conquistados, enquanto o anseio público inclui mudanças na gestão do departamento. Há uma clara defesa pela continuidade, mas o público quer uma participação maior de profissionais qualificados, com mais influência do que os dirigentes estatutários. A situação tenta persuadir pelo resultado final, mas os torcedores e associados querem discutir o processo; assim, a visão de um futuro melhor fica prejudicada. Se os títulos fossem o fator decisivo na eleição, Rodrigo Dunshee estaria em uma posição semelhante à de Rodolfo Landim na eleição de 2021.

Concluindo, apesar de ter conseguido reduzir o debate em temas antes dominantes, a UniFla não trouxe as premissas necessárias e perdeu a atenção do eleitorado. Além disso, não conseguiu se colocar como o “garantidor de um futuro possível“.

REJEIÇÃO DE RODRIGO DUNSHEE E SUA FALTA DE PROTAGONISMO NA CAMPANHA:

É sabido que Rodrigo Dunshee possui uma grande rejeição. As razões mais aparentes para isso são sua postura pessoal e a maneira como lidou com as famílias das vítimas da tragédia do Ninho do Urubu.

Favorito para vencer a eleição, a UniFla iniciou sua campanha seguindo a cartilha básica do marketing eleitoral, apresentando o candidato ao público. Até as manifestações de Rodolfo Landim, atual presidente, sobre Dunshee buscavam dar protagonismo a seu sucessor. No entanto, a estratégia parece não ter surtido o efeito desejado e acabou sendo deixada em segundo plano.

Com a alta rejeição do candidato, a estratégia encontrada foi tentar dar protagonismo ao atual mandatário. Em 7 de setembro, Landim foi anunciado como CEO caso Dunshee vença, reforçando a retórica de continuidade da gestão atual. Basicamente, é uma tentativa de transferir a alta aprovação da gestão para a intenção de votos em Rodrigo.

A tentativa de diminuir a rejeição de Dunshee continuou. Ele foi colocado como protagonista nas ações administrativas de todas as áreas nos últimos dois triênios (2019-2024), principalmente no futebol. Sabemos que o protagonismo do candidato foi na área jurídica, que deveria ser mais explorada na campanha; no entanto, preferem apresentá-lo como um acessório de Rodolfo Landim.

O atual presidente começou a ganhar maior protagonismo na campanha, a ponto de o jornalista Paulo Vinícius Coelho, o PVC, em sua coluna no UOL, afirmar que o Flamengo terá sua primeira campanha para CEO, chegando a compará-lo a Vladimir Putin, que alternou entre primeiro-ministro e presidente da Rússia desde 2000. Ele escreveu:

Pode-se discutir falhas, como não profissionalizar 100% o departamento de futebol. Debater pensamentos, como dizer ‘O Flamengo sou Eu’ numa conversa privada ao telefone com este jornalista, em 2021. Neste ponto, debatemos Democracia. Mas não se debate a competência. Só que a eleição é para presidente, não para CEO“.

No lançamento da campanha, Rodolfo Landim discursou por mais tempo, falando sobre as realizações da gestão, enquanto Dunshee apresentou os planos para o futuro do clube, segundo ponto básico de qualquer campanha eleitoral. E aqui voltamos ao Princípio Dominante dos temas, que a chapa insiste em não debater com profundidade.

Rodolfo Landim criou um Instagram, algo que não fez durante seus seis anos à frente do Flamengo, e ganhou mais protagonismo digital na campanha do que o próprio candidato a sucedê-lo. A UniFla não permite que Dunshee imprima sua personalidade no processo eleitoral, e o próprio vice-presidente endossa a retórica que dá razão ao que PVC apontou.

No último dia 06, em seu stories no Instagram, Rodrigo republicou um trecho da participação de Landim no programa “Benja Me Mucho“, de Benjamin Back, com a legenda: “O CEO da nossa chapa foi hoje no ‘Benja Me Mucho’ e contou o motivo de ter escolhido apoiar Dunshee”. Ou seja, o associado do Flamengo também votará num CEO, como disse PVC, pela primeira vez na história.

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Ainda no programa, ocorreu o seguinte diálogo:
Benja: “Você vai ficar bravo, mas eu vou falar o que disse no meu programa na CNN: a melhor coisa que esse cara (Dunshee) fez foi colocar você como CEO, porque, na minha opinião, não dá. Você vai tocar o clube e a coisa vai fluir”.

O jornalista claramente critica Rodrigo Dunshee e, pior, diz que ele é incapaz de administrar o Flamengo. O que faz o presidente? Ele não só corrobora com o entrevistador, mas também tira o protagonismo do seu possível sucessor:

Landim: “Eu acho que você teve a mesma visão que ele, assim… sinceramente falando“. (Gargalhadas de Benjamin Back.)

Landim prossegue: “Ele me convidou para isso, entendeu, para que eu continue tocando e ajudando as coisas a fluírem.”

Qualquer marqueteiro criticaria a atitude de Rodolfo Landim, que diminuiu seu próprio escolhido e deixou claro que seu objetivo como CEO é continuar administrando o clube, sendo Rodrigo apenas um acessório, mas agora como presidente. Uma gafe estratégica.

No último dia 05, a Comissão Permanente Eleitoral sorteou os números das chapas para as urnas na eleição. Em um dos primeiros materiais da UniFla, Landim aparece em destaque, na frente dos candidatos a presidente e vice. Em outro, ele surge ao lado de Dunshee com as frases: “Landim é UniFla, Landim é número 3” e “Vamos dar continuidade à gestão campeã! Vote comigo, vote Landim!”. O pedido ao associado é para votar no CEO, não no candidato à presidência, algo inédito na história do clube e condenável por qualquer marqueteiro.

Materiais da Chapa UniFla e de Rodrigo Dunshee. Imagens: Reprodução/Instagram

DISCURSO DO MEDO E ATAQUES AOS ADVERSÁRIOS COMO ESTRATÉGIA:

Antes do início oficial do processo eleitoral, tanto o discurso do medo quanto os ataques aos adversários eram feitos de forma esporádica. Em julho, Landim criticou a oposição ao mencionar quem levou o debate de SAF para o clube e o estádio, enquanto Dunshee, em entrevistas, evitava focar na estratégia de ataque mais direto.

Em estudo realizado por Felipe Borba e Fábio Vasconcellos, eles dizem que “ataques ao adversário devem ser usados na parte final da campanha, tendo como foco suas propostas e, preferencialmente, via redes sociais. A decisão sobre quem atacar é influenciada pela expectativa de vitória e posicionamento nas pesquisas, mas mudanças nas intenções de voto modificam o alvo dos ataques e a intensidade com que a propaganda negativa deve ser usada”.

Acrescentam ainda que “no Brasil, a ocorrência de ataques não é tão alta como nos Estados Unidos, sendo maior no segundo turno do que no primeiro. Três razões explicariam a diferença: a forte regulamentação da propaganda eleitoral, que veda ataques entre candidatos, garantindo o direto de resposta ao agredido; o sistema multipartidário, já que ataques podem beneficiar não o autor, mas um terceiro candidato; e, por último, a rejeição por parte dos eleitores brasileiros a esse tipo de recurso retórico (BORBA, 2015).

Por fim, dizem também: “por que, afinal, candidatos usam a propaganda negativa apesar dos riscos? A principal explicação é que eles o fazem porque não possuem alternativa caso queiram ganhar a eleição. O recurso é usado quando os candidatos precisam inverter cenários eleitorais desfavoráveis; caso contrário o status quo permanece inalterado até o fim e a eleição é perdida. A hipótese ajuda a explicar por que alguns candidatos atacam mais e outros menos: líderes se valem menos da propaganda negativa (SKAPERDAS; GROFMAN, 1995; BORBA, 2015), pois não precisam inverter tendências, já que o status quo lhes é favorável. Já os demais candidatos têm de invertê-las ou perdem a eleição”.

Os ataques não têm sido direcionados às propostas dos adversários, uma estratégia também adotada em campanhas, mas sim são ad hominem. Maurício Gomes de Mattos, por exemplo, utiliza um discurso propositivo de “ataque” indireto, afirmando que tem um projeto melhor para o Flamengo. Em seu material nas redes sociais, site e entrevistas, ele não cita nomes. Já a UniFla tem buscado um embate direto: assim foi com o próprio Luiz Eduardo Baptista (Bap), Cláudio Pracownik e Rodrigo Tostes.

A tentativa de descredibilizar adversários causou um efeito boomerang, aumentando a rejeição de Rodrigo Dunshee. Segundo Borba e Vasconcellos, ataques às políticas propostas pelos adversários são mais eficazes do que ataques pessoais: “com o registrado pela literatura: ataques às políticas propostas pelos adversários costumam ser mais eficientes (65% concordam ou concordam em parte) que aos atributos pessoais (25% discordam ou discordam em parte). Embora as disputas eleitorais contemporâneas girem muito em torno da construção e manutenção da imagem dos candidatos em função da centralidade de meios de comunicação como a televisão (WATTENBERG, 1991; LEAL; VIEIRA, 2009), os dados sugerem a preferência dos especialistas por ataques às propostas”.

Ou seja, a estratégia de Maurício Gomes de Mattos segue essa linha, mesmo que de maneira bem leve e sem um ataque ad hominem aos adversários. Ainda não dá para prever se, em algum momento, a chapa 2 vai recorrer a ataques mais diretos, à medida que o dia da eleição se aproxima.

Vale ressaltar que não estamos tratando diretamente sobre os temas abordados nos ataques ou de quem estava certo ou errado no debate proposto, mas sim sobre a estratégia. Exemplo: quando sócios foram incluídos de maneira indevida na Relação de Eleitores aptos a votar na eleição, a UniFla, em suas publicações, descreveu o ocorrido como ‘escândalo‘, ‘irregularidade‘, ‘abuso‘, ‘ditadura‘, mas nada falou sobre os indícios de fraude apontados pela Comissão Permanente Eleitoral nas candidaturas de Delair e, posteriormente, de Wallim Vasconcellos.

O recurso proposto pela chapa tinha embasamento estatutário e poderia ter sido trabalhado com uma estratégia diferente, sem priorizar o ataque direto aos envolvidos, Rodrigo Tostes e Bap, mas focando no fato em si, que estava diretamente ligado ao candidato da chapa 1, que apresenta conflito de interesse por ser presidente, mesmo que licenciado, do órgão que organiza e fiscaliza a eleição.

A UniFla precisa redirecionar suas estratégias eleitorais, priorizando o trabalho para diminuir a rejeição de Rodrigo Dunshee, dando a ele identidade e visibilidade na campanha, destacando pontos positivos de sua trajetória, apresentando e debatendo propostas, e, por fim, analisando o momento ideal para atacar os adversários. Faltam 32 dias para isso.

VEJA VÍDEOS SOBRE A ELEIÇÃO DO FLAMENGO DE 2024:

Estudos que serviram como fonte de pesquisa: Estratégias de persuasão eleitoral: uma proposta metodológica para o estudo da propaganda eleitoral, de Marcus Figueiredo, Alessandra Aldé, Heloísa Dias e Vladimyr L. Jorge; A campanha negativa como estratégia eleitoral na perspectiva dos consultores políticos: quem atacar, quando atacar e como atacar, de Felipe Borba e Fábio Vasconcellos e Rejeição mata candidaturas, de Gaudêncio Torquato.

Por Tulio Rodrigues (@PoetaTulio)

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