Os problemas de apuração na matéria de Renata Mendonça sobre o futebol feminino do Flamengo e o CFZ
A reportagem publicada por Renata Mendonça no dia 27 de outubro colocou o futebol feminino do Flamengo e o Centro de Futebol Zico no centro de uma controvérsia que rapidamente ultrapassou os limites da crítica esportiva e entrou no terreno da disputa narrativa. O vídeo, divulgado nas redes sociais, apresentava imagens do CFZ acompanhadas da afirmação de que as atletas treinavam em “condições precárias” e que o clube estaria em silêncio diante das cobranças feitas desde o dia 20 daquele mês. A cronologia, no entanto, ajuda a entender que o episódio é mais complexo do que a denúncia sugere.
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No dia 16 de outubro, o Flamengo comunicou oficialmente uma mudança estratégica em seu futebol feminino. O clube anunciou a readequação do orçamento, com o encerramento do investimento na equipe adulta e o redirecionamento de recursos para as categorias de base e outras modalidades. Quatro dias depois, segundo a própria jornalista, chegaram a ela imagens que embasariam a reportagem. No dia 27, o vídeo foi ao ar. A sequência levanta uma questão legítima: as imagens retratavam a rotina do local ou um momento pontual, captado em meio a circunstâncias específicas, como manutenção ou problemas climáticos?
A distinção é central porque o CFZ não é, historicamente, um espaço abandonado ou improvisado. Fundado por Zico e conhecido no futebol carioca há décadas, o centro já recebeu treinamentos de equipes profissionais, inclusive clubes que disputam competições oficiais. Isso não significa que seja uma estrutura adequada para abrigar diariamente uma equipe profissional do Flamengo, ponto que o próprio Zico reconheceu publicamente. A inadequação, porém, não se confunde automaticamente com precariedade, conceito que pressupõe ausência de condições mínimas de uso.
As imagens exibidas no vídeo mostram um campo com lixo acumulado e áreas internas aparentemente danificadas. Em uma análise mais cuidadosa, é possível notar funcionários realizando limpeza no gramado, o que indica um momento específico de manutenção. Não há registros visuais das atletas treinando nessas condições, nem contextualização sobre quando aquelas imagens foram captadas. Em regiões como Recreio dos Bandeirantes e Barra da Tijuca, onde o CFZ está localizado, chuvas fortes e alagamentos são recorrentes e costumam provocar danos temporários em estruturas abertas.
Outro ponto pouco explorado na reportagem diz respeito ao histórico recente do futebol feminino rubro-negro. Até o ano passado, a equipe treinava no CFAN, da Marinha, instalação reconhecidamente superior em termos de estrutura. A mudança para o CFZ ocorreu, segundo informações publicadas à época, em razão de problemas no gramado. Esse dado é relevante porque indica que o uso do CFZ não começou em outubro, nem foi consequência direta da decisão anunciada no dia 16. As atletas já treinavam ali desde setembro do ano anterior, em caráter provisório.
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A ausência desse contexto enfraquece a compreensão do público sobre o cenário real. Da mesma forma, chama atenção o fato de o CFZ não ter sido ouvido formalmente antes da publicação. Zico, que se manifestou posteriormente, não é o gestor administrativo do espaço, função exercida por seu filho, Thiago Coimbra. Ouvir a administração do centro teria ajudado a esclarecer se as imagens correspondiam ao cotidiano ou a um episódio isolado.
Nada disso invalida a crítica principal de que o Flamengo, clube de maior receita do país, deveria oferecer instalações plenamente adequadas ao seu futebol feminino. Essa cobrança é legítima e necessária. O problema surge quando exceções são apresentadas como regra e quando termos fortes substituem a precisão. A diferença entre “inadequado” e “precário” não é semântica; ela altera completamente a percepção dos fatos.
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O caso expõe uma fragilidade recorrente no debate esportivo contemporâneo: a redução da apuração em favor de narrativas fechadas. Ao não ouvir todos os envolvidos e ao ignorar a linha do tempo completa, a reportagem acabou abrindo brechas que permitiram questionamentos sobre método, ainda que a pauta em si seja relevante. Jornalismo não é sobre escolher um lado previamente, mas sobre reunir elementos suficientes para que o público se aproxime o máximo possível da realidade.
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Por Tulio Rodrigues (@PoetaTulio)
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