PRECISA-SE

Dia desses estive no aeroporto tentando mandar minha energia (ki, para os nerds) para os nossos mulambos queridos. Eu só não sabia que o Fla não ia dar as caras na partida que se seguiria, mas isso é assunto passado. O que importa é que, nessa ida ao aeroporto, eu experimentei o desgosto. Passavam jogadores na minha frente e, mesmo animada com a presença ilustre da delegação rubro-negra, eu olhava os rapazes e sentia que faltava algo. Mesmo o nosso mascote Léo Moura, no Mengão desde 1912, não garantia, e nem poderia garantir só ele, a identificação do elenco com a minha definição de Flamengo. A identificação que, em campo, nos tiraria desse marasmo, dessa mediocridade de ter como meta real (ainda que mascarada por muitos) o meio da tabela.
Sempre que vejo algo sobre a nossa Era Áurea, me sobe um sentimento de perda de algo que nunca tive; saudade de coisas que jamais experimentei. E sempre me perguntei como poderia ver no Flamengo de hoje algo do Mengão 80. Perdida em meio às minhas filosofias rubro-negras, achei o primeiro passo a ser tomado. Vamos anunciar para geral o que está em falta (além de alguns reforços básicos) para o nosso time achar sua estrada de tijolos amarelos.
Precisa-se de um mágico, de um príncipe (rei, já temos), de um guia. De alguém que nos jure amor eterno, e que sempre esteja disposto. Que, quando as coisas estiverem difíceis, carregue o caixão. Que grite quando preciso, que não abandone o barco nunca. A não ser que o seu peso o esteja afundando.
Não por uma, nem por duas vezes me peguei tomada por uma ímpar emoção de frente à TV, entorpecida pela beleza de grandes lances do passado. Sim. Tínhamos aqueles em quem confiar. Humanos, errantes, heróis.
Nós (assumo aqui, com honra, a voz da Nação), com toda a pureza de outrora, nem vimos escapar por entre os dedos o tempo d’ouro do Rei Antiabsolutista — Sinistro e Boladíssimo Zico. Tempo onde qualquer um poderia ser mais feliz vendo o outro sorrir e, quando os números se alteravam, todos estavam entregues à causa em meio ao grande grito.
E eu, que sempre estive, e até hoje tenho estado, embargada na nostalgia no meu mundo rubro-negro, me pergunto: como pode um bonde chegar a seu destino sem um guia? Tradições antigas, que são a receita perfeita para o sucesso de hoje, pedem por alguém que chegue e, sem usar apenas palavras, nos diga que não desamparará seus sanchos¹. Que vai entregar seu coração, sua alma.
Não precisamos de mais um que nos crie falsas expectativas. Vão estes nos honrar e/ou nos amar amanhã? Precisa-se de um ídolo que, daqui a 30 anos, ainda esteja imortalizado nos nossos bandeirões e em nossa memória e coração.
Aí tem gente que quer me convencer de que, no mundo de hoje, isso é impossível, que já era o tempo do amor à camisa, e blá-blá-blá, e mimimi. Eu acredito no resgate aos velhos valores. Não é possível que o futebol tenha virado um negócio e perdido, nos gramados, a sua épica, sua lírica. Me lembro de algumas coisas de minha tenra idade, um pouco anormais, mas que fazem jus à mística rubro-negra. Como quando eu amarrava sacos nos pés antes dos jogos mais tensos². Como quando eu pendurava o meu primeiro Manto Sagrado na janela do único quarto da minha antiga casa e suplicava a ele que o Mengo vencesse aquela partida. Como quando eu fazia promessas absurdas (entre elas, ficar um dia sem beber água³), não para entidades religiosas, e sim para um Flamengo que sempre acreditei ser onipresente e onisciente, que, como o Éter para Aristóteles, tudo permeia. Que tem sua parte física, mutável e sensível à atividade humana, mas que também tem sua parte abstrata que acompanha todos os rubro-negros sinceros. Pois, para mim, não pode ser verdade que algo tão intenso em nossas vidas seja apenas concreto.
Precisa-se de um ídolo. Não qualquer famosinho que venha para receber um salário obeso e nos deixe amanhã por 10 reais a mais em outro clube. Tem, e há, de ser um homem que seja para e pelo Flamengo. Que seja capaz de despertar no coração dos caras que vestem nosso Manto em campo um sentimento real pelo Fla. Porque somente a relação empregador-empregado não vai sustentar a mística rubro-negra. Nunca. E porque esse sentimento, uma vez instaurado, será capaz de nos levar ao topo do mundo novamente.
Pinta de malandro, cabeça de gênio militar e coração incendiado de guerreiro. Isso é Flamengo.
LEGENDA:
1 — Referência a Sancho Pança.
2 — De tanto ouvir a expressão “pé frio”, pensei que esquentar os pés poderia ser útil. Não. Não é brincadeira. Eu realmente fazia isso.
3 — Não houve necessidade de privação de água. Infelizmente, o Fla perdeu naquela partida.
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Bruna Uchôa
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