Reestruturação da base do Flamengo: o plano que muda a formação de jogadores no clube

Reestruturação da base do Flamengo: o plano que muda a formação de jogadores no clube
Foto: Caíque Coufal/Flamengo

A reunião realizada na última terça-feira (23), colocou luz sobre um dos temas mais sensíveis e estratégicos do Flamengo: a reestruturação profunda das categorias de base. Diante de conselheiros, sócios e interessados no futuro esportivo do clube, Luiz Eduardo Baptista, o Bap, detalhou mudanças que mexem não apenas no organograma, mas na própria lógica de formação adotada ao longo das últimas décadas. O encontro serviu para explicar decisões, antecipar impactos e, principalmente, alinhar expectativas em torno de um processo que não promete resultados imediatos, mas aposta em sustentabilidade técnica e financeira no médio e longo prazo.


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O Flamengo, historicamente reconhecido por revelar talentos, viveu nos últimos anos uma relação ambígua com sua base. Houve conquistas importantes, como títulos continentais no sub-20, mas também frustrações recorrentes na transição para o elenco profissional. A apresentação partiu desse diagnóstico. Segundo Bap, o clube iniciou uma espécie de “ano zero” na formação, assumindo que 2025 já foi um período de ajuste e que 2026 e 2027 tendem a ser temporadas de baixa competitividade esportiva nas categorias inferiores. A prioridade deixou de ser o troféu imediato para concentrar esforços na lapidação de jogadores de elite.

Os números ajudam a dimensionar a ruptura. Quando a atual gestão assumiu, o Flamengo tinha cerca de 404 atletas distribuídos na base. Hoje, esse contingente foi reduzido para aproximadamente 260. Mais de 270 jovens deixaram o clube, enquanto as contratações passaram a ser pontuais e cirúrgicas. A nova política foca em atletas entre 15 e 17 anos, adquiridos por valores considerados baixos dentro do mercado, na casa de dois milhões de reais. A lógica, nas palavras do dirigente, segue um conceito de investimento: contratar oito ou dez promessas para posições carentes, sabendo que basta uma delas se consolidar para compensar todo o aporte.

Essa mudança vem acompanhada de uma revisão conceitual. O Flamengo admite que, por muitos anos, privilegiou atletas mais fortes fisicamente nas categorias iniciais, o que garantia vitórias precoces, mas nem sempre resultava em jogadores prontos para o alto nível. A nova diretriz se inspira em modelos europeus, como o do Barcelona, ao colocar o talento técnico no centro do processo. A ideia é simples e, ao mesmo tempo, desafiadora: força, resistência e aspectos táticos podem ser desenvolvidos; criatividade, leitura de jogo e refinamento técnico são mais raros e difíceis de ensinar.

Para sustentar essa virada, o clube reorganizou todo o departamento. O organograma da base passou a integrar áreas de avaliação biomecânica, inteligência de mercado, análise de desempenho e alinhamento metodológico com o DNA rubro-negro. Houve também uma mudança simbólica e prática na valorização dos profissionais. Técnicos do sub-13 ao sub-20 passaram a receber salários equivalentes, quebrando a hierarquia tradicional que colocava as categorias finais como mais importantes. A comparação feita por Bap foi direta: na educação, um professor do ensino fundamental não é menos relevante que outro do ensino médio. Na formação de atletas, a lógica é a mesma.

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Além disso, foi criado um mecanismo de participação financeira. Profissionais da base passam a receber um percentual sobre o saldo entre compra e venda de atletas formados ou identificados por eles. Se um treinador descobre um talento que futuramente gera uma grande negociação, ele segue vinculado a esse sucesso, mesmo que não esteja mais no clube. O objetivo é duplo: reter cérebros e evitar a prática comum de levar jovens promissores ao mudar de instituição.

Outro ponto central da apresentação foi a gestão da transição para o futebol profissional, historicamente um gargalo no Flamengo. Casos emblemáticos ajudam a entender o problema. A geração campeã da Copinha de 2011, por exemplo, chegou ao elenco principal cercada de expectativas, mas poucos nomes conseguiram se firmar e entregar retorno técnico consistente. A avaliação atual é que muitos atletas foram “queimados” por ascensões apressadas, empurrados para o profissional mais pela idade do que pela maturidade emocional e competitiva.

A nova metodologia busca corrigir esse erro. Jovens que treinam com o elenco principal passam a ser tratados como emprestados, sem perder o vínculo psicológico com a base. Se a adaptação não acontece, o retorno é visto como parte natural do processo, e não como um fracasso. A meta é inverter a estatística: no passado, cerca de 70% dos atletas promovidos não se consolidavam; agora, o clube prefere errar menos, ainda que isso signifique subir menos jogadores por temporada.

Embora o foco principal da reunião tenha sido a formação, Bap também apresentou reflexos dessa reorganização no futebol profissional. A redução significativa de lesões em 2025 foi destacada como um efeito direto da integração entre ciência de dados, preparação física e controle de carga. O caso de Arrascaeta chamou atenção. O uruguaio teve a maior minutagem da carreira, superando até 2019, e chegou ao fim da temporada em alto nível físico e técnico, algo raro nos últimos anos. O planejamento passou por definir jogos prioritários, administrar minutos e aceitar pequenas perdas pontuais em troca de desempenho global.

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A estrutura de scouting também foi reforçada. Avaliações passaram a ser feitas por profissionais independentes, que analisam atletas sem trocar informações prévias. A comparação posterior dos relatórios reduz o peso do achismo e aumenta a precisão das decisões. É um método mais lento, mas alinhado à ideia de minimizar erros caros.

Bap deixou claro que o Flamengo escolheu um caminho menos sedutor no curto prazo. A base passará por uma fase de escassez de resultados esportivos, mas a promessa é de um terreno mais sólido para o futuro. Trata-se de uma aposta que exige paciência, algo raro no futebol brasileiro, especialmente em um clube acostumado a cobranças imediatas. O sucesso dessa reestruturação não será medido por troféus de categorias inferiores, mas pela capacidade de formar atletas que sustentem o time principal e reforcem a saúde financeira e técnica do clube nos próximos anos.

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Por Tulio Rodrigues (@PoetaTulio)

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Tulio Rodrigues

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