Ruy Castro foi o convidado especial do evento que detalhou como será celebração dos 130 anos do Flamengo, realizada na sede da Gávea. Escritor há 35 anos, jornalista há quase seis décadas e flamenguista há mais de setenta, ele sintetizou em palavras a devoção que atravessa gerações e transformou o clube em tema de sua própria vida. Autor de “O vermelho e o negro“, obra que narra a trajetória do clube e já se tornou referência histórica, Ruy levou ao público uma adaptação do texto “Uma Nação sonhando” presente no livro, lido com emoção e memória.
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Uma Nação sonhando
por Ruy Castro
O Rio foi seu berço, mas sua casa é o Brasil. Sua camisa vermelha e preta viaja de canoa pelos igarapés, galopa pelas coxilhas, caminha pelos sertões, colore todas as praias, está nas favelas, nos conjuntos habitacionais e nas coberturas. Suas cores vestem famosos e anônimos, bandidos e vítimas, corruptos e honestos, pobres e grã-finos, idosos e crianças, os muito feios e as muito bonitas, que de repente materializam-se nos lugares mais inesperados. Já estiveram nas mãos de Frank Sinatra, no papamóvel de João Paulo II, nos peitos da Madonna, mas principalmente tomam os estádios em tantas tardes e noites quantas o Flamengo entrou em campo, não importa onde. Tomam outras arenas também.
Em 2008, na guerra do Iraque, a camisa rubro-negra foi fotografada sob a farda do soldado Bruno Bonaldi, natural do Paraná, mas servindo ao exército americano em Bagdá, no segundo batalhão de infantaria. Uma diversão de Bruno era escrever o nome do Flamengo na areia do deserto. Detalhe: exceto na televisão, ele nunca tinha visto o Flamengo jogar.
De onde talvez não seja cientificamente exata a frase — de tão usada logo se tornaria um clichê — de que o Flamengo é uma nação. Frase esta, segundo o escritor Edgar de Alencar, criada pelo deputado federal cearense Walter Bezerra de Sá na década de 70. Mais exato talvez seria dizer que, ao contrário, a nação é que é Flamengo.
Segundo pesquisas veiculadas por órgãos insuspeitos como a revista Placar e os jornais Folha de S.Paulo e Lance!, o Flamengo é o clube de maior torcida do Brasil por praticamente qualquer categoria que se queira estudar: gênero, faixa de idade, nível de renda, cor da pele, plumagem política, grau de escolaridade, consciência intelectual ou quantidade de dentes. É maioria entre os desdentados e os que nunca tiveram uma cárie. Um em cada cinco brasileiros é Flamengo.
A torcida do Flamengo é maior que a do Corinthians e do Palmeiras juntas. Considerando os nossos queridos adversários locais, a torcida do Flamengo, em termos nacionais, é o triplo da do Vasco e dez vezes maior que a do Fluminense e do Botafogo, cada uma. Mesmo se não se contar seus torcedores no Rio, sua torcida ainda seria, de longe, a maior do Brasil. Ora bolas, por que não dizer logo? É disparada a maior torcida de futebol do mundo.
Desde os anos 40, décadas antes de o merchandising existir, o Flamengo já era marca e estampa de dezenas de produtos: pentes — o famoso pente Flamengo —, espelhinhos, abridores de garrafa, caixas de fósforo, cilindros de bicicleta. Eu tive tudo isso. Bandejas, cadernos, agendas, lápis, copos, canecas, toalhas, além de camisas, bandeiras e flâmulas, sem que os fabricantes desses bricabrac dessem satisfações ao clube, como se a marca Flamengo fosse domínio público.
Jornais, revistas e álbuns de figurinhas sempre venderam mais ao trazer o Flamengo na primeira página ou na capa. E o lendário Canal 100 de Carlinhos Niemeyer tinha uma natural preferência por mostrar os jogos de dois times: o Flamengo — e, em segundo lugar, também longe, a seleção brasileira.
Mas ao ler isto você dirá: e daí, qual é a novidade? Afinal, há décadas o Flamengo é o clube mais querido do Brasil. Não é um slogan, uma jogada de marketing. É uma verdade que as estatísticas já cansaram de comprovar. Os adversários preferem dizer que, pelas mesmas estatísticas, o Flamengo seria, na verdade, o clube mais odiado do Brasil. E é possível. As outras torcidas, juntas, empilhadas umas sobre as outras, não suportam que a do Flamengo, sozinha, lhes faça frente.
Por que o Flamengo se tornou tão popular? Terá sido pela montanha de títulos? Pode ser uma das explicações. Desde 1912, quando a camisa rubro-negra passou a jogar futebol, o Flamengo foi mais vezes campeão carioca do que todos os seus concorrentes: 39 títulos até agora, vários deles invictos e com seis tricampeonatos, muitos conquistados quando o campeonato carioca, com seus esquadrões — o Fluminense dos anos 30, o Vasco dos anos 40 e o Botafogo dos anos 60 —, era o verdadeiro Campeonato Brasileiro.
O Flamengo leva vantagem no confronto direto sobre todos eles. Dos dez maiores públicos na história do Maracanã, sete foram em jogos do Flamengo. Dos 175 jogos com público superior a cem mil espectadores, 91 foram do Flamengo.
Falando nisso, o maior artilheiro do Maracanã foi, e sempre será, Zico — 333 gols em 435 partidas.
E para os espíritos de porco que gostavam de dizer que o Flamengo só ganhava no Maracanã, o Flamengo foi campeão mundial em Tóquio, tricampeão da Libertadores, octacampeão brasileiro, pentacampeão da Copa do Brasil e dono de montes de outras taças. O único título que o Flamengo não tem é o da Sul-Americana, que raramente disputa porque, na mesma época, está jogando a Libertadores.
Mas, como eu ia dizendo, por que o Flamengo se tornou tão popular? Terá sido pelos craques? Sim. O Flamengo foi construído por cada cabeça, tronco e membro que o defendeu. Em seu nome atacaram, invadiram as grandes áreas, estufaram as redes.
Gostaria de citar alguns, para que fiquem registrados, para que os ídolos de hoje saibam que já houve muitos outros ídolos e para que nunca nos esqueçamos deles: Fausto dos Santos, Domingos da Guia, Leônidas da Silva, Zizinho, Biguá, Bria, Jayme de Almeida, Valido, Pirillo, Perácio, Vevé, Adãozinho, Dequinha, Dida, Zagallo, Carlinhos, Júnior, Leandro, Mozer, Adílio, Andrade, Zinho, Bebeto, Petkovic, Adriano, Renato Gaúcho, Gabigol e tantos outros.
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Mas queria falar de um certo jogador muito pouco lembrado, que para mim sintetiza a alma rubro-negra: Liminha. Um volante vindo de São Paulo, jogou no Flamengo de 1968 a 1975, sempre titular. Foram 513 partidas. Não me consta que um dia tenha sido convocado para a Seleção, mas todos que o vimos jogar seremos eternamente gratos pelas milhares de vezes em que cruzou a linha central do gramado levando com ele o Flamengo — para frente, para o futuro. Obrigado, Liminha.
Gostaria de falar também dos outros esportes, dos nomes que engrandeceram o Flamengo além do futebol: José Telles da Conceição nas pistas, Oscar, Marcelinho e Olivinha no basquete, Isabel, Jaqueline e Virna no vôlei, Aurélio Miguel no judô, Maria Lenk e Ricardo Prado nas piscinas, e tantos mais.
Do Flamengo nasceu, em 1942, a primeira torcida organizada: a Charanga. Foram torcedores do Flamengo os primeiros a levar bandeiras e instrumentos aos estádios. O Flamengo foi também o primeiro clube a ter o nome abreviado pela torcida — Mengo — e a fazer desse apelido um superlativo: Mengão.
Os títulos, as glórias e os craques explicam muita coisa, mas não tudo. O Flamengo é diferente desde a sua fundação, em 1895. O que faz com que nossa paixão nesses 130 anos já se estenda por três séculos e seis gerações. Pense apenas no seguinte: os bisnetos dos primeiros torcedores do Flamengo são os bisavós dos pequenos torcedores de hoje.
Saudações rubro-negras.
PARATODOS FLAMENGUISTAS | Paródia Chico Buarque – Paratodos [Official Video]
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Por Tulio Rodrigues (@PoetaTulio)
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