1 vascaíno x Flamengo: desmontando mentiras com fatos e história
Um debate publicado no YouTube, envolvendo o flamenguista Rock Hudson e um influenciador vascaíno, ganhou destaque na última semana e reacendeu discussões históricas sobre Flamengo e Vasco. A conversa foi ao ar e tratou de temas que vão de títulos antigos à origem de mascotes, passando por episódios como a Taça Salutaris e o papel das torcidas ao longo das décadas. O vídeo repercutiu porque, segundo os torcedores rubro-negros, diversos fatos apresentados ali não condizem com registros históricos. A necessidade de recuperar a cronologia real dos acontecimentos acabou se impondo para desfazer equívocos que se repetem com frequência no ambiente digital.
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As distorções começaram já nos primeiros minutos. Krave apresentou Leônidas da Silva como jogador formado no Vasco e transferido diretamente para o Flamengo, quando a trajetória do Diamante Negro inclui passagens por Sírio Libanês, Bonsucesso, Peñarol, Vasco, Brasil e Botafogo antes de chegar ao clube rubro-negro.
O debate avançou para a Taça Salutaris, que costuma ser tratada por muitos como se tivesse sido conquistada por meio de fraude. O livro publicado por Roberto Assaf desmonta essa narrativa. O concurso foi organizado pelo Jornal do Brasil e pela fábrica de águas Salutaris em 1927, seguiu regras claras de envio e contabilização de cupons e contou com representantes de todos os clubes durante as apurações. Os votos clandestinos foram descartados desde o início e o Vasco, segundo colocado, chegou a agradecer formalmente pela condução do processo. A diferença entre os dois primeiros não foi pequena. O Flamengo venceu com 254.851 votos contra 189.742 do rival, em números divulgados à época e registrados pelo próprio jornal.
Outro ponto sensível surgiu quando Krave sugeriu que Mário Filho descrevera o Flamengo como uma construção mediática amparada por um suposto “DIP rubro-negro”. No texto citado, o jornalista usa tom irônico para se referir ao clima de camaradagem de frequentadores do Café Rio Branco, ponto de encontro de dirigentes e jornalistas. O ambiente é descrito como se funcionasse como uma “delegacia” informal quando alguém atacava o clube, mas a metáfora jamais correspondeu a uma estrutura de controle ou perseguição. A interpretação literal ignora o estilo do autor, conhecido por sua ironia, e cria uma leitura que não resiste à análise.
A passagem sobre Ary Barroso também exigiu correção. Embora fosse flamenguista declarado, o locutor não foi proibido de entrar em São Januário por clubismo. Ele havia feito críticas à diretoria do Vasco e sofreu represália por esse motivo. Em uma partida contra o Fluminense, acabou narrando o duelo de cima de um telhado porque estava impedido de ingressar no estádio. A proibição, portanto, tinha relação direta com censura, prática comum no Vasco.
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O episódio do mascote rubro-negro apareceu em duas versões igualmente problemáticas. O urubu, até os anos 60, simbolizava mau agouro, ao contrário do corvo vascaíno, que era associado a sorte e vitória em plena fase do Expresso da Vitória. A forma como setores da torcida rival usaram o termo urubu contra flamenguistas reforçava preconceito social e racial. O gesto de 1969, quando torcedores do Flamengo levaram o animal ao Maracanã e ressignificaram a imagem, virou um ato de apropriação simbólica que desmontou essa hostilidade.
Na sequência, a discussão entrou em terreno ainda mais delicado: o episódio dos Camisas Negras e a resposta histórica de 1924. Krave tratou o caso como exemplo de luta antirracista, mas estudos recentes de pesquisadores ligados ao próprio Vasco, entre eles artigos publicados no Centro de Memória do clube, mostram que a carta atendeu sobretudo a interesses esportivos. O time tinha uma excelente equipe formada por jogadores negros, pardos e operários, e perder esses atletas significaria comprometer seu desempenho. Nada nas atas de reuniões posteriores indica posicionamento institucional contra o racismo. O gesto foi justo e legítimo, mas não pode ser interpretado como movimento político estruturado.
O argumento de que o Flamengo teria sido beneficiado em 1995 também não se sustenta. O regulamento daquele Brasileiro previa apenas dois rebaixados e foi divulgado antes do início da competição. O clube terminou na 21ª posição, mas não caiu porque essa era a regra estabelecida. A menção ao caso da Portuguesa em 2013 ignora fatores básicos. O jogador Everton treinou normalmente durante a semana, mesmo suspenso, e a decisão de escalá-lo foi interna.
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Nos minutos finais, o debate descambou para comparações sobre grandeza de torcida. Ao defender a posição rubro-negra, um dos flamenguistas lembrou como a torcida do Flamengo criou práticas que acabaram adotadas por outras torcidas, da charanga de Jayme de Carvalho ao hábito de vestir camisas no cotidiano, passando pelo modelo de apoio constante que se espalhou pelo país. A observação tocou no cerne da discussão: interpretações deturpadas ganham espaço com rapidez, enquanto o contexto histórico exige leitura cuidadosa.
Ao revisitar dados, documentos e pesquisas, fica evidente que boa parte das afirmações do debate não resistem à verificação básica. Flamengo e Vasco carregam histórias ricas, mas essas histórias precisam ser contadas com rigor para que não se transformem em versões distorcidas. É o mínimo que se espera.
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Por Tulio Rodrigues (@PoetaTulio)
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