A hipocrisia exposta: para PVC, a Bruno Henrique, cabe a pena moral; para Vitor Roque, o pano

A hipocrisia exposta: para PVC, a Bruno Henrique, cabe a pena moral; para Vitor Roque, o pano

O debate sobre a coerência das punições esportivas voltou ao centro do noticiário após a decisão do STJD, na última semana, de aceitar uma transação disciplinar que livrou Vitor Roque, atacante do Palmeiras, de julgamento por um post de cunho homofóbico. A medida, que envolveu multa de R$ 80 mil e a promessa de uma postagem educativa em rede social, reacendeu críticas sobre o funcionamento do tribunal e abriu uma discussão sobre a discrepância de tratamento entre casos semelhantes. O episódio ganhou força especialmente depois da resposta de Paulo Vinícius Coelho, que passou a justificar posições diferentes entre esse caso e o do atacante Bruno Henrique, julgado em outra circunstância no Rio de Janeiro. O contraste movimentou redes sociais, fortaleceu a percepção de dois pesos e duas medidas e colocou novamente em xeque o discurso de isenção no jornalismo esportivo brasileiro.


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O episódio é recente, mas remete a uma trajetória conhecida: punições assimétricas, entendimentos variáveis e interpretações oportunistas dependendo do clube envolvido. No caso de Vitor Roque, a denúncia por homofobia poderia gerar de cinco a dez jogos de suspensão. O Palmeiras atuou com rapidez, buscou a transação disciplinar, pagou o valor estipulado e eliminou o risco esportivo. O detalhe, e ele importa, é que essa solução impede qualquer julgamento formal. O atacante não será analisado em sessão pública, não terá votos computados, não enfrentará debate jurídico. Sai pela lateral com um acordo que, na prática, o reconhece como responsável pelo ato. Para completar, quem representou o clube no processo foi o mesmo advogado que atua na defesa institucional da Libra. A reação foi inevitável.

A comparação com Bruno Henrique emergiu de imediato. Quando o atacante do Flamengo foi denunciado por supostamente repassar informação a um apostador, ainda que sem qualquer impacto no jogo ou indício de manipulação, o tom de PVC foi duro. A expressão “paga no débito” virou meme. O comentarista cobrou julgamento, punição exemplar e repercutiu o caso com energia, repetindo que a liga não sobreviveria enquanto atletas “fraudassem” o ambiente esportivo. Agora, diante de um caso de homofobia explícita, a abordagem foi chamada de suave, quase pedagógica. O argumento central de PVC é que existe diferença porque Bruno Henrique foi denunciado pelo Ministério Público e Vitor Roque, não.

Essa linha de raciocínio, porém, não encontra sustentação lógica dentro do campo esportivo. As duas situações chegaram ao STJD por condutas específicas, não pelas repercussões criminais. O tribunal não julga Código Penal. Julga o Código Brasileiro de Justiça Desportiva. Quando PVC analisa o episódio do Bruno Henrique, em nenhum momento seu discurso se baseia no inquérito criminal. Ele comenta o que estava sendo discutido nas instâncias esportivas. Essa coerência se perde agora, quando busca um elemento externo para justificar a diferença de tratamento. O problema não está apenas na contradição: está na seletividade.

A transação disciplinar é admitida quando o acusado assume o erro. Mesmo que isso não seja escrito da maneira direta, é o que ocorre. Ao aceitar a multa, o atleta reconhece a infração. Ou seja, há admissão de culpa. No entanto, o tom adotado pelo comentarista rebaixa o episódio a um detalhe administrativo, como se o simples fato do jogador não estar respondendo a um processo criminal fosse, por si só, o motivo para evitar críticas mais incisivas. O argumento caiu mal. A crítica que PVC recebeu nas redes não se concentra apenas no teor, mas no desequilíbrio evidente entre o rigor aplicado a um caso e a condescendência aplicada ao outro.

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Há outro ponto negligenciado no debate público: a relevância moral da discussão. Ao chamar o caso de Bruno Henrique de “fraude”, PVC demonstrou que o peso simbólico da punição era, para ele, essencial: o futebol precisava ser protegido. Mas quando o tema é homofobia, não há a mesma ênfase na necessidade de um sinal forte. E isso, para qualquer observador atento, enfraquece o discurso de integridade.

A reação popular evidencia uma fissura na credibilidade do discurso midiático esportivo. Muitos enxergam, com razão, que comentaristas não mantêm a mesma régua quando o assunto envolve seus clubes de origem ou de simpatia. Os episódios envolvendo a presidente do Palmeiras, Leila Pereira, reforçam essa percepção: raramente há críticas diretas a declarações ou movimentos políticos da dirigente. O mesmo vale para o técnico Abel Ferreira, frequentemente blindado de avaliações mais firmes por parte de alguns setores da imprensa. Esse contexto amplia a sensação de parcialidade.

A questão central aqui não é clubismo. É jornalismo. Não se cobra paixão, se cobra consequência. Se um ato é considerado grave para uma análise, precisa ser considerado grave para todas. Não há justificativa para aplicar roupas morais distintas a situações equivalentes. A coerência é o que sustenta qualquer opinião pública que se pretenda séria.

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O STJD também sai desgastado. A diferença de tratamento é clara: Bruno Henrique enfrentou julgamento completo. Vitor Roque não passou nem perto da porta da sessão. O discurso de “padronização da justiça esportiva” não resiste ao confronto com a prática.

O episódio, somado a tantos outros, alimenta um debate que o futebol brasileiro evita há décadas: o tribunal precisa ser reformado. Não apenas pela assimetria das decisões, mas pela possibilidade de acordos que substituem o debate público. O caso atual ilustra perfeitamente o problema. E expõe, mais uma vez, como protagonistas importantes do jogo, entre eles a imprensa, seguem falhando na hora de proteger valores essenciais do esporte.

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Por Tulio Rodrigues (@PoetaTulio)

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Tulio Rodrigues

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