Ícone do site Ser Flamengo

A “nova liga” do Brasil está longe de ser parecida com a Premier League: entenda as diferenças

A "nova liga" do Brasil está longe de ser parecida com a Premier League: entenda as diferenças

A criação de uma nova liga de clubes no Brasil, debatida ao longo dos últimos anos entre Libra e Liga Forte União, tem sido apresentada por dirigentes como um passo histórico para a modernização do futebol nacional. O movimento envolve as principais agremiações do país e promete inaugurar um novo modelo de gestão e divisão de receitas. Mas, apesar de constantes referências à Premier League, a liga inglesa que nasceu em 1992 e hoje é a mais rentável do mundo, a proposta brasileira pouco se aproxima da experiência inglesa. O motivo está nas diferenças estruturais de governança, na ausência de consenso entre os clubes e na falta de um projeto que una interesses esportivos e comerciais em torno de um mesmo objetivo.


Ouça nossas análises e entrevistas sobre a eleição do Flamengo no seu agregador de podcast preferido: SpotifyDeezerAmazoniTunesYoutube MusicCastbox e Anchor.


Quando a Premier League foi fundada, em fevereiro de 1992, os 22 clubes que formavam a First Division da Football League tomaram uma decisão coletiva: romper com o modelo vigente e criar uma associação independente, com autonomia financeira e administrativa. O ponto de partida foi a negociação unificada dos direitos de transmissão, que garantiu um contrato de £304 milhões com a BSkyB, da família Murdoch, revolucionando a forma como o futebol seria exibido e consumido no Reino Unido. Essa foi a base para a construção de uma liga que, ao longo de três décadas, transformou-se em produto global.

No Brasil, as negociações que antecedem a formação da liga caminham em direção oposta. Em vez de união em torno de um objetivo comum, o que se observa é fragmentação entre blocos de clubes, divergências sobre percentuais de divisão de receitas e disputas políticas internas. O debate concentra-se no dinheiro a ser recebido por direitos de transmissão e patrocínios, enquanto aspectos fundamentais como governança, estatuto, estrutura administrativa e modelo jurídico permanecem indefinidos. Em resumo: o foco está no resultado imediato e não na construção de um alicerce sólido para o futuro.

A comparação com a Premier League torna-se ainda mais distante quando se observa a linha do tempo de ambos os processos. Na Inglaterra, os clubes assumiram que só haveria valorização coletiva se todos crescessem juntos. A nova liga estabeleceu critérios de divisão mais equilibrados, em que 50% das receitas de televisão passaram a ser distribuídas de forma igualitária, 25% conforme a posição final na tabela e outros 25% de acordo com a audiência e os jogos transmitidos. O mecanismo impediu abismos financeiros insustentáveis e fortaleceu a competitividade.

A LIVE COMPLETA:

No Brasil, o embate sobre percentuais de repasse tornou-se o epicentro das discussões. Libra e Liga Forte União divergiram desde o início sobre o teto entre maior e menor cota, gerando impasse na assinatura de contratos. Para completar, clubes individualmente buscam fechar compromissos de mídia, esvaziando a ideia de negociação coletiva (feita pela Liga, sem intermediários) e comprometendo a força política do projeto. O que deveria ser um pacto nacional de desenvolvimento virou palco de disputas entre dirigentes.

Outro ponto de ruptura está na governança. Na Premier League, desde 1992, a decisão de criar uma liga autônoma foi acompanhada por um modelo em que cada clube é acionista e tem direito a voto. O poder não está centralizado em federações ou dirigentes de ocasião, mas compartilhado em um colegiado com regras claras e estatuto sólido. É justamente esse arcabouço jurídico e administrativo que sustenta a liga até hoje, blindando-a de interferências políticas e garantindo credibilidade junto a investidores e parceiros comerciais.

No Brasil, ainda não existe clareza sobre como se dará a administração da futura liga. O risco é a repetição de velhos vícios: concentração de poder em poucos dirigentes, fragilidade institucional e ausência de mecanismos de controle transparentes. Sem governança confiável, dificilmente o produto será capaz de atrair o mercado internacional ou competir com as principais ligas globais em termos de receita e audiência.

Os números comprovam a distância entre a realidade inglesa e a brasileira. Na temporada 2022/23, a Premier League distribuiu cerca de £2,7 bilhões aos seus clubes, com o último colocado recebendo mais de £100 milhões — valor superior ao que Flamengo e Palmeiras receberam como campeões nacionais no mesmo período. Esse salto só foi possível porque, três décadas atrás, os dirigentes ingleses priorizaram o coletivo e criaram um produto global. No Brasil, a insistência em privilegiar interesses imediatos ameaça comprometer um projeto que poderia alavancar todo o futebol nacional.

VEJA MAIS:

CASO PREFIRA OUVIR:

Aspecto Premier League (1992) “Nova Liga” Brasileira (2026/27)
Contexto Clubes enfrentavam queda de público, estádios precários e crise de violência Futebol com alta paixão popular, bons públicos e potencial comercial já consolidado
Decisão inicial 22 clubes romperam com a Football League e criaram liga independente Clubes divididos entre Libra e Liga Forte União, sem consenso nacional
Negociação de TV Contrato coletivo de £304 milhões com a BSkyB, base do crescimento Clubes negociam em dois blocos econômicos distintos, esvaziando a negociação coletiva
Divisão de receitas 50% igualitários, 25% por posição, 25% por audiência Disputa sobre tetos entre maior e menor cota; foco em percentuais, sem definição final
Governança Cada clube acionista, com estatuto sólido e regras claras Modelo ainda indefinido, risco de concentração de poder em dirigentes e intermediários
Receita distribuída Na temporada 2022/23, mais de £2,7 bi distribuídos; último colocado recebeu £100 mi+ No Brasil, campeão nacional recebe valores inferiores, mesmo somando TV e premiações
Visão de longo prazo Construção de produto global em 30 anos Foco imediato em receitas, sem projeto coletivo consolidado

O caso da Premier League mostra que não se trata apenas de dinheiro, mas de visão. Quando o campeonato inglês deu o passo inicial, os clubes lidavam com estádios ultrapassados, queda de público e crise de violência nas arquibancadas. A virada começou justamente por entender que era preciso reconstruir a imagem do produto, fortalecer a marca e estabelecer regras comuns. No Brasil, a situação é inversa: o futebol tem público, paixão e potencial comercial, mas falta consenso para construir uma liga que respeite princípios básicos de governança e planejamento.

O contraste revela por que a nova liga brasileira está longe de ser a Premier League. Enquanto na Inglaterra a união foi o ponto de partida para o crescimento, aqui a fragmentação se tornou a marca registrada do processo. E sem um projeto coletivo, dificilmente haverá produto que desperte a confiança do mercado e do torcedor.

Veja outros vídeos sobre as notícias do Flamengo:

Por Tulio Rodrigues (@PoetaTulio)

+ Siga o Blog Ser Flamengo no Twitter, no Instagram, no Facebook e no Youtube.

Comentários
Sair da versão mobile