Projeções irreais, falta de curadoria, programação e receita: os argumentos para mudar o projeto do museu
Quem fala, o que está em jogo, quando as questões ganharam força, onde elas se concentram, como o debate evoluiu e por que ele se tornou um problema para o Flamengo. Essas perguntas formam a base de uma discussão que voltou a circular na Gávea desde o início de 2025: a operação do museu rubro-negro, seus números, suas expectativas e a quase completa ausência de uma programação que justifique o espaço e o investimento.
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Em agosto de 2023, na inauguração do museu, a antiga diretoria apresentou uma estimativa ambiciosa. A projeção era de 400 mil visitantes anuais. O dado circulou como se tivesse vindo da empresa responsável pela operação, mas a origem era interna. E, quando confrontado com a realidade de museus esportivos pelo mundo, o número simplesmente não se sustenta. O Museu da FIFA, em Zurique, referência mundial e situado em uma região com alto fluxo turístico, recebe cerca de 200 mil pessoas por ano. Metade do que a antiga diretoria imaginava alcançar.
A comparação virou um espelho incômodo. O museu do clube ainda opera incompleto, apenas com o andar térreo acessível ao público e sem o segundo piso previsto no projeto original. Mesmo assim, o cálculo da diretoria da época apontava para algo que, hoje, se confirma como uma expectativa desconectada de qualquer parâmetro realista. E esse erro inicial ajuda a explicar por que o debate vem ressurgindo com tanta força.
Outro ponto que ganhou espaço nas conversas internas diz respeito ao contrato com a empresa responsável pela gestão. Parte da argumentação usada para justificar mudanças recentes fala em dificuldades de operação. Mas, se a contratada demonstrava incapacidade de gerar receitas, por que não se discutiu uma rescisão? Se o problema estava na gestão, a solução poderia ser romper o vínculo e assumir a administração ou buscar outra parceira. O que aconteceu foi o contrário. O museu perdeu área física para abrir espaço a uma rede de academias.
Esse movimento virou símbolo de outro problema. Desde o falecimento de Eduardo Vinícius, o Dudu, em 2024, o museu está sem curador. Ninguém assumiu a função de organizar exposições, elaborar ações especiais, cuidar do acervo ou planejar atividades culturais. Para um clube que chega aos 130 anos, é uma ausência grave. E a falta de curadoria explica muito sobre o que se vê ali hoje.
Durante todo o ano de celebrações pelo aniversário do clube, o museu não realizou uma única exposição especial. A única ação oficial foi o lançamento de um ingresso colecionável divulgado na véspera do dia 15. Nenhuma mostra temporária, nenhum debate, nenhum workshop. A homenagem ao Adílio, por exemplo, limitou-se a uma pequena área separada. Não houve curadoria de fato, apenas a montagem de um canto especial com objetos que já pertenciam ao acervo.
Outros museus ligados ao esporte mantêm uma agenda ativa justamente para atrair quem já visitou o espaço. Exposições temporárias, atividades temáticas, cursos, encontros, sessões de cinema e até pequenos shows costumam movimentar o calendário. É assim que se mantém público recorrente. No Flamengo, nada disso acontece. Quem já foi ao museu na inauguração encontrará praticamente o mesmo conteúdo hoje, salvo algumas atualizações de vídeo e a pequena homenagem ao camisa 8 campeão mundial.
A falta de renovação afasta o torcedor local e impede avanços estruturais. E isso repercute também no acervo. Conversas internas revelam que o espaço físico destinado ao patrimônio histórico está cada vez mais espremido. Há itens que o clube não consegue receber porque não existe área adequada para armazenamento. O caso mais simbólico é o acervo do próprio Dudu, oferecido ao Flamengo por um valor muito abaixo do que realmente vale. Durante uma visita oficial, a cena ganhou contornos preocupantes quando um dirigente minimizou a importância de documentos históricos ao dizer que bastava digitalizar e descartar o resto.
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Esse ambiente mostra o tamanho do risco que o clube corre ao diminuir o museu num momento em que cresce a preocupação com a preservação da memória rubro-negra. Se o espaço destinado à história diminui, a tendência é que parte desse patrimônio se perca. Com a partida de figuras-chave como Roberto Diniz, Eduardo Vinícius e Bruno Lucena, e o envelhecimento de outros guardiões voluntários da história do Flamengo, o futuro do acervo se torna ainda mais incerto.
O problema central não é financeiro. O Flamengo tem receita bilionária e não deixaria de contratar jogadores por assumir a gestão do museu. O que falta é visão estratégica, clareza de propósito e compreensão de que o museu é parte essencial da identidade rubro-negra. A maneira como a questão foi conduzida mostra que o equipamento cultural não funciona como deveria. Não atrai público na escala projetada porque não oferece programação, não renova conteúdo e não mantém estrutura plena. A conta não fecha porque a lógica está invertida desde o início.
O museu poderia ser um polo de cultura, história, educação e paixão rubro-negra. Mas hoje é um espaço quase estático, sem agenda e sem curadoria. Enquanto isso, a cobrança por números irreais continua alimentando narrativas sobre fracasso de público e déficit de operação. A verdade é mais simples. Para ser relevante, um museu precisa viver. E o do Flamengo, por enquanto, não vive como deveria.
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Por Tulio Rodrigues (@PoetaTulio)
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