A incoerência de PVC e Lavieri: quando jornalistas fazem o papel de torcedor
Quem acompanhou o julgamento recente do STJD percebeu que a discussão ultrapassou a esfera técnica e se transformou numa disputa pública alimentada por jornalistas que, até pouco tempo, criticavam o mesmo comportamento quando partia apenas de torcedores. O episódio estourou na noite em que vieram à tona fotos de um auditor do tribunal em arquibancadas do Flamengo. As imagens circularam primeiro no Twitter, mas o tema ganhou força quando foi levado para veículos como UOL e canais pessoais de comentaristas conhecidos. O questionamento é simples: por que agora vale o que antes era tratado como exagero “clubista”?
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O ponto de partida surgiu quando usuários de rede social encontraram registros antigos de um auditor do STJD comemorando em jogos do Flamengo. O material viralizou rapidamente. A reação de parte da imprensa, porém, trouxe um contraste curioso com o que ocorreu recentemente, quando a presidente da ABCD teve fotos expostas por torcedores flamenguistas, episódio em que comentaristas se indignaram com o que chamaram de invasão à privacidade e ataque à honra. O mesmo PVC, na época, se irritou ao ver a imagem usada para questionar a autoridade antidopagem. Ele chegou a afirmar, em transmissão ao vivo, que a origem clubística da dirigente “não dizia nada sobre sua competência técnica”.
O clima mudou agora. Em poucos minutos de vídeo, Danilo Lavieri e PVC repetiram exatamente o movimento que condenavam: colocaram no centro da pauta a identificação clubística de um auditor, exibiram sua foto, e associaram o caso a uma suposta irritação de “fontes do Palmeiras” com o resultado do julgamento. O curioso é que ambos reforçaram, no discurso, que o time de alguém “não define a conduta profissional”, e logo depois exibiram o material que diziam não querer usar como argumento.
Essa contradição acendeu o debate. O jornalista Gabriel Simões, flamenguista, reagiu dizendo que se sentia ofendido com a normalização da ideia de que escolhas profissionais seriam pautadas por paixão clubística. Para ele, admitir isso “como se fosse o mundo real” significaria abrir mão do compromisso mais básico da profissão. A fala ecoou entre colegas de redação e comunicadores independentes, que viram no episódio uma fronteira ética sendo atravessada por quem costuma cobrar rigor dos outros.
A linha do tempo ajuda a entender por que o assunto ganhou tanta força. Primeiro vieram os cortes de canais esportivos relembrando a postura de PVC no caso da ABCD. Depois, vídeos de Lavieri, cujo canal tem estética inteiramente verde e branca, repercutindo a foto do auditor flamenguista com ar de denúncia. Na sequência, a própria bancada do UOL entrou no tema, dando contornos de notícia a algo que, até então, era apenas combustível de briga de rede social.
No instante em que o assunto chega a um grande veículo, o debate deixa de ser apenas sobre um auditor do tribunal. Abre-se uma discussão maior sobre responsabilidade editorial. Torcedores, afinal, têm o direito de reagir por impulso. Jornalistas, não. Quando profissionais que condenavam a prática passam a reproduzi-la, o que antes era visto como “chapéu de alumínio” vira argumento válido, desde que a narrativa sirva ao momento.
Por trás disso tudo está uma crise de confiança. Se os próprios comentaristas tratam episódios semelhantes de modos opostos conforme o clube envolvido, o público percebe a incoerência. E é nesse ponto que o tema deixa de ser secundário. Não se trata apenas de Flamengo ou Palmeiras, mas de como parte da imprensa decide o que é relevante, o que merece ser levado ao ar e o que deveria ficar restrito ao Twitter. Há uma diferença entre analisar fatos e estimular suspeitas. Quando essa linha se embaralha, a credibilidade vai junto.
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O caso expôs a fragilidade de discursos que tentam se equilibrar entre moralismo e entretenimento. Mostrou também como alguns jornalistas se aproximam, cada vez mais, da lógica de torcedor online, ainda que se apresentem como representantes de um jornalismo pretensamente superior. A ironia é que esse comportamento acaba empurrando o debate público para o mesmo patamar do qual eles dizem querer se afastar.
Enquanto o tribunal segue seu calendário e os clubes lidam com seus próprios problemas, a pergunta permanece: quem determina o limite entre crítica e oportunismo? E o mais importante: quando a imprensa atravessa a fronteira que ela mesma ergueu, quem faz o papel de cobrar coerência?
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Por Tulio Rodrigues (@PoetaTulio)
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