No último dia 22, o SporTV, em coprodução com a Beyond Films, lançou o documentário A Reinvenção do Flamengo. Dividido em quatro episódios, a sinopse promete contar os bastidores da disputa pela presidência do clube nos últimos 10 anos. Porém, a tentativa de revisitar os meandros políticos não foi feita de maneira profunda.
Ouça nossas análises e entrevistas sobre a eleição do Flamengo no seu agregador de podcast preferido: Spotify, Deezer, Amazon, iTunes, Youtube Music, Castbox e Anchor.
Cabe elogiar a qualidade da fotografia e dos arquivos, que deram ao espectador a oportunidade de ver momentos históricos dos últimos anos. No entanto, o problema está no roteiro, na maneira como a história foi contada. Alguns arcos narrativos são abertos, mas não são concluídos, como o dos Esportes Olímpicos.
No primeiro episódio, o filme mostra que, logo nos primeiros meses da gestão de Eduardo Bandeira de Mello, em 2013, uma das ações para diminuir os gastos foi o fim da equipe adulta de ginástica olímpica e a demissão de diversos atletas de renome em outros esportes. O assunto não é mais abordado, e as conquistas recentes de Rebeca Andrade e da equipe nas Olimpíadas de 2024 (um ouro, duas pratas e um bronze), assim como os títulos mundiais de basquete em 2014 e 2022, não são citados. Essas informações mostrariam, como de fato aconteceu, que a reestruturação também se estendeu a outras modalidades além do futebol.
O primeiro episódio foi o melhor. Ele começa mostrando como estava o clube antes de 2013: dívida impagável, salários atrasados, lutas contra o rebaixamento, crises no futebol, política conturbada… Inclusive, o filme foi alvo de repúdio por parte do Conselho de Grandes Beneméritos, que alegou desrespeito aos dirigentes mais antigos, como se o clube tivesse sido refundado após Bandeira de Mello vencer a eleição. No entanto, esse episódio foi o que mais se aprofundou nos bastidores da formação da histórica Chapa Azul em 2012, ainda que tenha deixado de lado algumas informações importantes, algo que se repetiu nos episódios seguintes.

- Opinião: Eleição no Flamengo legitima as urnas eletrônicas no Brasil
- O DISCURSO COMPLETO DE LUIZ EDUARDO BAPTISTA, O BAP, EM SUA POSSE COMO PRESIDENTE DO FLAMENGO
- De peça-chave do jogo a mestre do tabuleiro: como Bap deu um xeque-mate em Rodolfo Landim na eleição do Flamengo
Ao tratar da eleição de 2012, o documentário lembra que havia um movimento de oposição — fragmentada na ocasião — contra Patrícia Amorim, candidata à reeleição, mas não menciona que, naquele pleito, seis candidatos inscreveram chapas: a própria presidente, Wallim Vasconcellos, Lysias Itapicurú, Jorge Rodrigues, Maurício Rodrigues e Ronaldo Gomlevsky. Na apresentação do resultado, apenas foram informados os votos dos dois principais protagonistas, ignorando a chapa Rosa, que contou com o apoio de Lysias e Maurício Rodrigues e foi encabeçada por Jorge Rodrigues. Faltou mostrar quem se destacava na oposição à mandatária.

O mesmo ocorreu no pleito de 2015. Cacau Cotta, também candidato, é citado apenas na proclamação do resultado, mostrada em uma passagem de um repórter, o que dá a impressão de que a eleição teve apenas a participação de Wallim e Bandeira. Aliás, o conflito entre os membros originais da Chapa Azul de 2012 é bem contextualizado, mas isso não acontece com o racha entre Landim e Bap em 2024, que foi determinante para o cenário da última eleição. Já o processo eleitoral de 2018 foi reduzido apenas aos números da chapa Roxa e de Ricardo Lomba. Marcelo Vargas e Peruano ficaram de fora, assim como os detalhes e contextos daquela época.
O aspecto financeiro é bem explicado, destacando os saltos que o clube deu nos últimos 12 anos, com uma breve citação ao Profut — programa de regularização de dívidas dos clubes de futebol com o Governo Federal. No entanto, o trabalho jurídico, especialmente nos dois mandatos de Eduardo Bandeira de Mello, foi ignorado. O Flamengo saiu de 500 ações trabalhistas para 52, deixando o Ato Trabalhista com saldo a receber e mais de R$ 130 milhões de reais pagos.
O Centro de Treinamento, projeto colocado em prática na gestão de Bandeira, só é citado quando se fala da tragédia de 2019. O primeiro módulo, inaugurado em 2016, sequer é mencionado, apenas o segundo, inaugurado no fim de 2018. Cabe ressaltar que o Ninho do Urubu era uma das prioridades daquela gestão, a materialização do sucesso administrativo do Flamengo, já que não houve grandes conquistas na segunda gestão de Eduardo.

Sobre a tragédia que vitimou 10 crianças em 2019, os entrevistados (dirigentes do clube) não abordam as questões mais sensíveis, como os aspectos legais para o pernoite dos garotos naquela estrutura e a parte jurídica atual. Quem tocou na ferida foram os jornalistas que participaram da cobertura. Nem a CPI da ALERJ, que chegou a pedir o indiciamento de nove pessoas por homicídio culposo e denunciou o tratamento negligente com as famílias das vítimas, é citada.
O episódio três, que abre com o tema, apresenta uma escolha errada de narrativa. No fim desse arco, ainda aos nove minutos, há uma fala de Landim sobre o tema, seguida por um corte seco e, de repente, a transição para os grandes investimentos em contratações e conquistas esportivas daquele ano. A maneira como a fala de Landim é usada como gancho para falar dos títulos sugere que os resultados esportivos serviram como superação da tragédia. Aqui, ou foi uma escolha de roteiro ou uma decisão do editor. O corte seco foi um erro tanto para a obra quanto para a imagem do próprio presidente, pois, dependendo do contexto de sua fala, soa como insensibilidade com a tragédia, as vítimas e seus familiares — algo já criticado pelos jornalistas e ídolos do clube entrevistados.
— Foi algo muito triste, mas a gente teve que acordar todo dia, levantar a cabeça, trabalhar e tentar fazer o melhor. Acho que conseguimos, pelo menos pelo lado esportivo, ter energia e força para continuar trabalhando e fazer o ano de 2019 que acabamos tendo — disse Landim. A fala é imediatamente sucedida por um corte seco e uma música de ação, com imagens dos jogadores sendo apresentados pelo Flamengo em 2019.

A forma como o clube lidou com os pais e mães dos atletas foi determinante para aumentar a rejeição a Rodrigo Dunshee, responsável pela parte jurídica e escolhido por Landim para concorrer na eleição de 2024 — foco do documentário. No entanto, o candidato da situação só aparece no fim do quarto episódio, o que não faz sentido, pois ele deveria ser um dos protagonistas da história do último pleito. O foco ficou em Bap e Landim, mas sem grande aprofundamento.
O documentário não falha no arco narrativo do futebol. A produção traz a jornada do herói ao contar como o Flamengo saiu da piada do cheirinho, em 2016, 2017 e 2018, para se tornar um time multicampeão entre 2019 e 2024, com dois Brasileiros, duas Libertadores e duas Copas do Brasil. Se esse fosse o foco do filme, a narrativa teria sido melhor justificada, contando a história das grandes conquistas, tendo como pano de fundo as realizações fora de campo.
O único aspecto negativo nesse ponto é a abordagem das inúmeras trocas de treinadores sob o comando de Rodolfo Landim, um fator determinante no debate do último pleito. Com as mudanças, o clube gastou cerca de R$ 50 milhões em multas, evidenciando problemas na gestão do departamento. O tema não é desenvolvido, mas deveria, já que, segundo a sinopse, o foco é a “reveladora disputa pela presidência do Flamengo nos últimos 10 anos”.
Sobre os bastidores, a obra parece mostrar que a disputa entre os membros originais da Chapa Azul de 2012 se deu mais por picuinhas pessoais do que por divergências de gestão e visões administrativas — especialmente em 2024, quando Landim não quis indicar Bap como sucessor por acreditar que ele mudaria a forma como o Flamengo vinha sendo gerido, principalmente no futebol.

Segundo Marcelo Pizzi, diretor e roteirista da série, o objetivo era “criar curiosidade a partir dos bastidores e fazer os rubro-negros — assim como outros torcedores — entenderem os principais motivos da reestruturação econômica do clube”. Por conhecer a história e ter acompanhado a reestruturação do Flamengo em detalhes, posso dizer que o objetivo foi alcançado pela metade — como se um quadro fosse exposto ao público apresentando apenas a moldura.
Informações técnicas sobre o documentário:
Nome: A Reinvenção do Flamengo
Episódios: 4
Direção: Marcelo Pizzi
Roteiro: Marcelo Pizzi, Gustavo Palmeira
Ano de lançamento: 2025
Plataforma: Globoplay
Imagem de capa: Reprodução/Globoplay
—
Por Tulio Rodrigues (@PoetaTulio)
+ Siga o Blog Ser Flamengo no Twitter, no Instagram e no Youtube.
Descubra mais sobre Ser Flamengo
Assine para receber nossas notícias mais recentes por e-mail.
Você precisa fazer login para comentar.