Narrativas, distorções e conveniência: o debate após o julgamento de Bruno Henrique
O debate sobre os julgamentos de Bruno Henrique e Vitor Roque ganhou força depois das manifestações públicas de Benjamin Back, Alice Kleinn, Fábio Sormani e outros comentaristas esportivos. As reações ocorreram logo após a decisão do STJD, no Rio de Janeiro, no dia do julgamento que enquadrou Bruno Henrique apenas num artigo que prevê multa, enquanto o caso de Vitor Roque, denunciado por postagem homofóbica, tomou outro rumo. A discussão expôs uma contradição que tem tomado conta do noticiário esportivo: a forma como parte da imprensa trata casos semelhantes com pesos completamente diferentes, quase sempre guiada pela camisa envolvida.
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Ao longo dos últimos dias, a repercussão foi crescendo. O julgamento de Bruno Henrique se tornou um marco não apenas pelo desfecho, mas pela maneira como jornalistas transformaram os fatos. Benjamin Back foi um dos primeiros a comentar o caso. Em sua exposição, classificou o atacante como “absolvido”, o que não corresponde à decisão do tribunal. O jogador foi condenado com multa, enquadrado no artigo 191, inciso 3. A sensação de absolvição pode até existir entre torcedores, mas quando um profissional da comunicação descreve a decisão dessa forma, esbarra na falta de precisão.
O episódio se ampliou quando Benja tentou relativizar a denúncia contra Vitor Roque, reduzindo a postagem homofóbica do atacante do Palmeiras a um conteúdo irrelevante. A comparação “foi só uma postagem” ignora que o caso envolveu crime de ódio, previsto em lei e passível de responsabilização. Soma-se a isso o fato de o próprio clube ter negociado para evitar que o atleta sequer fosse julgado. O contraste expõe uma fragilidade na forma como a imprensa escolhe palavras, pesos e medidas.
O histórico recente mostra que esse tipo de leitura não é exceção. Dudu, do Atlético-MG, por exemplo, recebeu suspensão por um comentário misógino publicado fora do contexto esportivo. Na época, a imprensa tratou como algo gravíssimo, como deveria. Agora, com Vitor Roque, o discurso suavizou. A régua muda, o tom muda, a cobrança desaparece. A lógica é simples: não se trata apenas do fato em si, mas de quem o protagoniza.
A insistência em ignorar esses recortes provoca distorções. Alice Kleinn afirmou que o STJD teria “tornado manipulação de jogo mais branda que falta de jogo”. Na letra fria da decisão, não existe manipulação no caso Bruno Henrique. Os artigos 243 e 243-A não foram aplicados porque não havia enquadramento legal. A crítica ao tamanho da pena pode existir, mas ela precisa se sustentar na realidade, não em versões convenientes.
Essa contradição reaparece quando nomes como Sormani entram em cena. Ele reforçou que a absolvição teria sido “do Flamengo, não do jogador”, e comparou a situação ao caso Bauermann. Só que Bauermann fechou acordo com apostadores, reconheceu participação e teve provas materiais apresentadas. O caso é completamente diferente. A mistura dos episódios produz um caldeirão de indignação fácil, mas sem coerência.
O que sobra dessa sequência de declarações é um retrato do debate esportivo no Brasil. A justiça do dia a dia não é a justiça do futebol. O cidadão exige punição, coerência, responsabilidade. No esporte, a régua se ajusta conforme a cor da camisa. A narrativa se molda ao time de preferência. O erro vira interpretação, a punição vira exagero, o crime vira detalhe. A hipocrisia não está apenas no comentário de um ou de outro, mas no comportamento coletivo de quem escolhe a conveniência como forma de leitura.
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O jornalismo tem ferramentas para elevar a discussão e pressionar mudanças, como a necessária revisão do código disciplinar. Mas, quando opta por distorcer fatos, empobrece o debate. O que se viu nos últimos dias é menos sobre Bruno Henrique ou Vitor Roque e mais sobre como parte da mídia usa sua influência. E quando a noção de justiça depende da camisa, o que sobra é incoerência.
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Por Tulio Rodrigues (@PoetaTulio)
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