O FLAMENGO POR MARIO FILHO: “UM CLUBE GRANDE POR FORA” – FLAMENGO 130 ANOS

O FLAMENGO POR MARIO FILHO: “UM CLUBE GRANDE POR FORA” – FLAMENGO 130 ANOS

É difícil mostrar o Flamengo.
Um pedaço do Flamengo fica na praia, outro no Morro da Viúva, outro na Gávea.
Toma-se um carro, de duzentos em duzentos metros o relógio do táxi marca mais trinta centavos, vai-se de um lado para o outro, e quando acaba não se viu o Flamengo.


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Nada daquilo dá uma ideia da grandeza do Flamengo.

Vê-se o estádio, não é o estádio ainda, vê-se a sede, não é a sede, vai ser completamente diferente. Quem vai à Gávea não sente a grandeza do Flamengo. E, muito menos, quem vai à praia e vê a sede, lá atrás, baixa, estreita, com um andar só.

Sente-se a grandeza do Flamengo cá fora, nas ruas, nas paredes que viram placares de vitórias do rubro-negro. E nos estádios, do lado das arquibancadas, das gerais. A multidão grita Flamengo, e o grito da multidão dá uma ideia do que é o Flamengo, uma medida de sua grandeza.

O Flamengo não está na Gávea, na praia, no Morro da Viúva, está em toda parte. É grande por fora. Por dentro não é o Flamengo. Pelo menos a gente, dentro do Flamengo, perde a medida de sua grandeza, não a encontra.

Qual o segredo do Flamengo? Que tem um visgo, um feitiço, seja lá o que for, tem. É fácil amá-lo. Quem sabe se por ser mais elástico do que os outros. De mar, que foi de mar antes, e de terra também. Anfíbio, pode-se dizer.

O Flamengo foi quase que compelido a ir para a rua, a espalhar-se. Já o Fluminense ficou onde sempre esteve, fixou-se numa ilha, cercado de fronteiras que o fechavam, cada vez mais para dentro de si mesmo. De um lado a Rua Álvaro Chaves, de outro a Rua Pinheiro Machado, de outro o Palácio Guanabara e, ao fundo, o morro.

Mesmo o Botafogo, que se mudou várias vezes, não teve a vocação múltipla do Flamengo. Toda vez que se mudava, mudava-se inteiro, de armas e bagagens. O Flamengo, não. Quando teve campo, foi longe da sede. Multiplicava-se, de uma certa maneira, aqui e ali, antes de ser em toda parte. Daí a tendência, que sempre teve, de clube aberto, ao contrário do Fluminense, fechado como numa fortaleza. O Flamengo escancarava-se.

O Flamengo não tinha time. O Flamengo era o que dizia grave e enfaticamente, não precisava de time para conquistar um campeonato. Bastava-lhe a camisa.

Assim, o Flamengo arranjou mais uma legenda: a do clube da camisa ou a do clube da bandeira. Camisa era a rubro-negra, a camisa que vencia sozinha. Os outros tinham de rebolar para vencer, o Flamengo vencia com a camisa.

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Já se chamava o Flamengo de campeão de terra e mar. Começou-se a chamá-lo de clube de força de vontade. Eram legendas.

O Flamengo não tinha só legenda, tinha slogan: uma vez Flamengo, sempre Flamengo.

Em dia de jogo (…), pode-se ter uma ideia do Flamengo. O Flamengo não fica no estádio quando o jogo acaba, sai, é a própria multidão que se perde em mil ruas, levando para cada canto a presença do Flamengo.

O Flamengo entrava em campo e podia estar por baixo: sabia-se que ia lutar, que ia molhar a camisa, que ia correr até o último instante. Só se reconhecia o Flamengo assim, como o clube da força de vontade. Ou da fibra. Quando, por qualquer motivo, o Flamengo não fazia isso, não era o Flamengo. Quem vestia a camisa do Flamengo tinha de encharcá-la de suor. Podia perder, mas dando tudo pela vitória. Daí ter pegado o hino de Paulo Magalhães: O Flamengo, tua glória é lutar.

O amor do povo pelo Flamengo, como que secreto, desabrochou com a força de uma primavera. Há amores assim, calados, para dentro, envergonhados. Mas se o amado ou a amada está em perigo, o tímido se inflama, não tem mais nada que ocultar, pelo contrário. O que faz é mostrar que ama mesmo, com amor de romance ou de fita de cinema.

Mas a pergunta ainda está sem resposta: por que o Flamengo se tornou o clube mais amado do Brasil? Ou por que foi o Flamengo o escolhido, justamente o Flamengo e não outro? Talvez por causa da legenda ou da saga do Flamengo. Ou, quem sabe, porque o Flamengo se deixe amar à vontade, seja o mais fácil de se amar. Não impõe restrições a quem o ama. Aceita o amor do príncipe e do mendigo e se orgulha de um e de outro. Se um flamengo matasse pelo Flamengo, seria um herói; se morresse por ele, um mártir ou um santo.

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Era o Flamengo de sempre, volúvel, de uma coisa à outra, só fiel a si mesmo. Ainda assim cada flamengo tendo o seu Flamengo, ou cultuando o seu Flamengo à sua moda. Mudando também. Por isso o Flamengo continua a ser o clube grande por fora, muito maior por fora do que por dentro.

Quem vai à sede nova, uma massa de cimento projetando-se para o céu, mesmo sabendo que há uma sede velha e que há a Gávea, o “hinterland” a conquistar, ainda à espera de uma Brasília, não vê toda a grandeza do Flamengo.

Sabe que para ver a grandeza do Flamengo tem de ir é para as ruas, para os estádios. Então esse Flamengo múltiplo é um só. E quando tem um momento de glória mostra-se em toda a plenitude de sua força telúrica. Chega a assustar. Tudo aqui era o Flamengo. Por isso ninguém nega, mesmo sendo de outro, que ele é o mais amado dos clubes.”

Adaptação dos textos “Um Flamengo grande por fora” e “Introdução ao Flamengo”, de Mario Filho.

Seleção: Tulio Rodrigues

Reprodução:

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Por Tulio Rodrigues (@PoetaTulio)

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Tulio Rodrigues

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