Série 100 anos de Fla x Flu – Flamengo 0 x 0 Fluminense – 1963 – O maior público do futebol brasileiro

Os vivos saíram de suas casas e os mortos de suas tumbas para assistir ao maior Fla-Flu de todos os tempos.” Assim definiu o jogo Nelson Rodrigues em sua coluna no Jornal O Globo. Esta partida, em especial, possui dimensões e recordes jamais superados por clubes em todo o mundo. Esses ingredientes transformam o clássico mais charmoso do Brasil em algo único! Ao longo da história, não faltaram episódios marcantes, tanto para o Flamengo quanto para o Fluminense.

O Campeonato Carioca de 1963 contou com treze participantes reunidos em um único grupo. O regulamento da época previa jogos de ida e volta, e o time com o maior número de pontos era declarado campeão.

O Flamengo realizou vinte e quatro jogos, marcando quarenta e seis gols, vencendo dezessete vezes, perdendo duas e empatando cinco. Além disso, sofreu dezessete gols. Foi uma campanha primorosa, com Silva se destacando como artilheiro do Flamengo no campeonato, com oito gols.

No dia 15 de dezembro de 1963, Flamengo e Fluminense entraram em campo para decidir o Campeonato Carioca daquele ano em um Maracanã com 177.656 pagantes e 194.603 presentes. Este é o maior público da história em jogos entre clubes no mundo. Esse número de pagantes só foi superado seis anos depois, com a Seleção Brasileira em um jogo contra o Paraguai, que teve 183.341 pagantes registrados no Maracanã, no dia 31 de agosto de 1969. Em termos de público presente, só a Seleção Brasileira supera o número registrado em 1950, na final da Copa contra o Uruguai, com 199.854 presentes, e em 1954, contra o Paraguai, com 195.513 presentes.

Ao Flamengo bastava um empate para se sagrar campeão; ao Fluminense, apenas a vitória interessava. O Flamengo foi a campo com Marcial; Murilo, Luís Carlos, Ananias e Paulo Henrique; Carlinhos e Nelsinho; Espanhol, Airton, Geraldo e Oswaldo. O técnico era o lendário Flávio Costa. O Fluminense, por sua vez, teve Castilho; Carlos Alberto Torres, Procópio, Dari e Altair; Oldair e Joaquinzinho; Edinho, Manoel, Evaldo e Escurinho, sob o comando do também lendário Fleitas Solich.

O jogo foi nervoso e, em certos momentos, cauteloso. As equipes se estudavam bastante antes de tomarem qualquer iniciativa ofensiva. O Fluminense até tentava se lançar ao ataque, mas temia os contra-ataques rubro-negros.

No segundo tempo, a partida apresentou uma situação clara e definida: um Fluminense ofensivo, buscando a vitória a todo custo, e um Flamengo defensivo, jogando com o regulamento debaixo do braço. Essa dinâmica se manteve durante todo o segundo tempo. Nos dez minutos finais, a partida adquiriu contornos de dramaticidade para ambos os lados. A torcida do Flamengo aguardava o apito final para gritar “campeão!” O Flamengo, aliás, vinha de um jejum de oito anos sem títulos.

Antes do apito final, dois sustos: Escurinho desperdiçou duas chances claras diante de Marcial e até mesmo acertou a trave! A bola não queria entrar, mesmo sob a pressão do Fluminense. O goleiro rubro-negro, Marcial, foi o destaque, defendendo tudo naquela partida, e após o apito final, foi festa na Gávea e em todo o estado da Guanabara! O Flamengo se sagrou campeão carioca após oito anos de jejum. Vale ressaltar que esta foi a primeira final que o Flamengo venceu sobre o Fluminense.

E assim encerrou sua coluna no pós-jogo o profeta malsucedido, Nelson Rodrigues: “Amigos, eu sei que os fatos não confirmaram a profecia. Ao que o profeta só pode responder: – ‘Pior para os fatos!’” É só.

Ficha técnica:

Flamengo 0 x 0 Fluminense
Decisão do Campeonato Carioca de 1963
Data: 15/12/1963
Local: Maracanã, Rio de Janeiro/RJ

Fluminense: Castilho; Carlos Alberto Torres, Procópio, Dari e Altair; Oldair e Joaquinzinho; Edinho, Manoel, Evaldo e Escurinho.
Técnico: Fleitas Solich

Flamengo: Marcial; Murilo, Luís Carlos, Ananias e Paulo Henrique; Carlinhos e Nelsinho; Espanhol, Airton, Geraldo e Oswaldo.
Técnico: Flávio Costa

Árbitro: Cláudio Magalhães
Público pagante: 177.656 (o maior da história em jogos de clubes no mundo)
Público presente: 194.603 (o maior da história em jogos de clubes no mundo)
Renda: CR$ 57.993.500,00 (recorde histórico na época)

Crônica de Nelson Rodrigues sobre a final:

Continuo Tricolor

Amigos, ao terminar o grande Fla-Flu, o profeta tratou de catar os trapos e saiu do Maracanã, mas de cabeça erguida. Era um vencido? Jamais. Vencido, como, se temos de admitir esta verdade límpida e clara – o Fluminense jogou mais. Não cabe, contra a evidência da nossa superioridade, nenhum argumento, sofisma ou dúvida. Alguém dirá que o profeta não previa o empate.

Exato. Mas vamos raciocinar. Houve lances, no Fla-Flu, que escapariam à vidência até de um Maomé, até de um Moisés de Cecil B. de Mille. Lembro-me de um momento, em que Marcial estava batido, irremediavelmente. O arco rubro-negro abria seus sete metros e quebrados. E que fez Escurinho? Enfiou a bola na caçapa? Consumou o “goal” de cambaxirra?

Simplesmente, Escurinho levantou para Marcial. Deu a bola na bandeja como se fosse a cabeça de São João Batista. E eu diria que nem Joana D’Arc, com suas visões lindas, ou Maomé pendurado no seu camelo, ou o Moisés de Cecil B. de Mille, do alto de suas alpercatas – podia imaginar tamanha ingenuidade. Escurinho teria de chutar rente à grama, ou alto, se quisesse, mas teria de chutar e nunca suspender a bola.

E tem mais. Os profetas de ambos os sexos jamais poderiam contar com a trave. No segundo tempo, Escurinho mandou uma bomba. Nenhum “goal” foi tão merecido. Pois bem: – vem a trave e salva. Além do mais que Maomé, ou que Moisés podia calcular que Solich ia fazer jogo para empate? Dirá o próprio que não foi esta a sua intenção. Mas o fato incontestável é que ele armou o time para o hediondo 0 x 0.

É obvio que, desde o primeiro minuto, o Fluminense teria de se atirar todo para a frente. Era preciso forçar a decisão, o”goal”, a vitória, já que o empate seria a catástrofe. O tricolor jogou bem e, no entanto, não deu, nunca, a sensação de fome e sede de “goal”. Faltavam uns 15 minutos, e os nossos jogadores ainda tramavam, ainda faziam tico-tico, ainda perdiam tempo com passes curtos, para os lados e para trás. Sim, o Fluminense jogou bem e não cabe preciosismo num último Fla-Flu.

Já contra o Bangu, aconteceu o seguinte: – sempre que Oldair avançava, eis que Solich erguia-se na boca do túnel e fazia um comício. Oldair marcou dois “goals” por desobediência e repito, por indisciplina tática. Ontem, ele estava cá atrás, defendendo um empate que seria a vitória do Flamengo. Vejam que tristeza horrenda: – jogamos bem e errado.

Dizia eu que o profeta estava certo no mérito da questão. O tricolor é o melhor, foi melhor, teve mais time. Mas há, claro, um campeão oficial, que é o Flamengo. E aqui, abro um capítulo para falar da alegria rubro-negra, santa alegria que anda solta pela cidade. Nada é mais bonito do que a euforia da massa flamenga. À saída do estádio, eu vi um crioulão arrancar a camisa diante do meu carro. Seminu, como um São Sebastião, ele dava arrancos medonhos. Do seu lábio, pendia a baba elástica e bovina do campeão.

Mesmo que eu fosse um Drácula, teria de ser tocado por essa alegria que ensopa, que encharca, que inunda a cidade. Eu não sei se o time do Flamengo, como time, mereceu o título. Mas a imensa, a patética, a abnegada torcida rubro-negra merece muito mais. Cabe então a pergunta: – quem será o personagem da semana de um abnegado Fla-Flu tão dramático para nós? Um nome me parece obrigatório: – Marcial. E nessa escolha, está dito tudo. Quando o goleiro é a figura mais importante de um time, sabemos que o adversário jogou melhor. Castilho teve muito menos trabalho. Claro que eu não incluo, entre os méritos de Marcial, o “goal” que Escurinho não fez. Tão pouco falo na bomba que o mesmo Escurinho enfiou na trave. Assim mesmo Marcial andou fazendo intervenções decisivas, catando bolas quase perdidas.

Amigos, eu sei que os fatos não confirmaram a profecia. Ao que o profeta só pode responder: – “Pior para os fatos!” É só.

(O Globo, 17/12/1963)

Fonte de pesquisa: Flapédia e Blog Jornalheiros

 

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