O dia em que proseei com Milton Gonçalves: o Artista, socialista e Rubro-Negro

Era 2012 e cobrindo a eleição do Flamengo, fui conversar com o ator, diretor, produtor, dublador e na ocasião, candidato a vice-presidente geral do Flamengo, Milton Gonçalves. Consegui o seu contato com Ronaldo Gomlevsky, que encabeçava a chapa que concorria ao pleito daquele ano.


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Eu tinha 27 anos, sabia pouca coisa de jornalismo e tinha pouca experiência em entrevistar pessoas. Isso é tão nítido que é possível ver quantas intervenções fazia com os entrevistados. Bom, voltando ao Milton, não foi difícil conseguir a entrevista. Mesmo diante do seu tamanho como pessoa e profissional, foi de uma generosidade imensa e o próprio atendeu ao telefone da sua casa. Marcou o papo na sua residência.

Eu estava nervoso, havia preparado com muito cuidado a pauta e como era a primeira pessoa em que suas referências eram mais externas, encontrei dificuldades de colocá-lo dentro daquele contexto da política do Flamengo. Mesmo candidato, Milton não era de sair falando sobre os aspectos políticos do clube ou de criticar esse ou aquele personagem, era um gentleman. Como a ideia também era fazer com que os candidatos falassem do seu relacionamento com o Flamengo, já deu uma facilitada, mas resolvi incluir também a questão do racismo, militância no movimento negro e um pouco da política nacional. O resultado foi que o nosso bate-papo foi uma verdadeira aula. E sobre tudo.

Além do premiado ator de cinema, TV e teatro, Milton Gonçalves também foi vice-presidente social do Flamengo em 1999/2000, na gestão de Edmundo Santos Silva. Aceitou participar da eleição em 2012 por conta do seu relacionamento com Ronaldo Gomlevsky. Amigos, compartilhavam da mesma religião, o judaísmo, que ele fala com enorme afago. E socialista como se autodenominava, entendia a importância de uma maior participação do torcedor do Flamengo na política Rubro-Negra.

Para quem sabe ler, um pingo é letra. Eu estou lá. Eu, um brasileiro, negro, descendente de africanos, estou candidato a vice-presidente do maior clube desse país e um dos maiores do mundo. Só que ele está solto, está no deserto, é preciso congregar mais, é preciso chamá-los… Eu fico emocionado quando falo isso. É preciso dar um berro de alerta para todos: “Venham para cá, meus irmãos. Venha colocar sua posição aqui, venha aqui ajudar o clube mais importante, é a sobrevivência nossa enquanto Rubro-Negros” —, disse Milton.

De fato, deu para ver a emoção em seus olhos enquanto falava. Tirando alguns pontos, a entrevista é atual. Ela completa 10 anos agora, mas se olharmos alguns aspectos do Flamengo, do país e sobre o racismo, ela continua contemporânea, pois muitas situações continuam na mesma. É impressionante!

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Nossa conversa se enveredou pela política nacional, mensalão, Joaquim Barbosa, um negro que virou ministro do Superior Tribunal Federal (STF) e que teve atuação destacada no Mensalão. Quando falamos sobre o racismo, isso antes de tratar do tema especificamente dentro do contexto futebolístico, disse que eu era negro e por que não seria? Ele também revelou que após sofrer racismo, cultivou o ódio e foi militar no movimento negro, mesmo trazendo discordâncias em alguns aspectos. Sua explicação de como se livrou desse sentimento, é sublime, pois não há como diminuir o preconceito com raiva, radicalismo, algo tão presente hoje em nossa sociedade.

Rubro-Negro abnegado, ajudou o clube com dinheiro do próprio bolso quando foi vice-presidente social. Sua contribuição para a cultura flamenga se dá pelas suas interpretações a grandes textos sobre o amor e a paixão pelo clube. O primeiro, o texto de Artur da Távola, o “Ser Flamengo”.

Ser Flamengo é ser humano e ser inteiro e forte na capacidade de querer. É ter certezas, vontade, garra e disposição. É paixão com alegria, alma com fome de gol e vontade com definição —. Ouvir o texto na voz de Milton Gonçalves emociona.

Há ainda a chamada especial feita pela Rede Globo para a final do Mundial de clubes de 2019. Antes da partida contra o Liverpool, um vídeo primoroso com a interpretação do ator: “A massa em polvorosa joga junto, ecoa, festa na favela. E quer o mundo de novo. A chama que inquieta coração nos convoca novamente. Estamos prontos, conhecemos o enredo…“, diz um trecho.

Só me resta agradecer pela generosidade não só por aquela entrevista, mas pelo ser humano, pelo artista e pelo Rubro-Negro que foi. Milton Gonçalves continuará gigante em todos os seguimentos em que participou, principalmente no Flamengo, quando emprestou sua verve e credibilidade nos momentos mais difíceis. Obrigado, seu Milton!!!!!!!!!!!

Imagem: Reprodução/SporTV

Por Tulio Rodrigues (@PoetaTulio)

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